terça-feira, 25 de junho de 2013

A Social-Democracia: apontamentos de leitura



Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues

A introdução e o texto A Social-Democracia como um fenômeno histórico fazem parte do livro Capitalismo e Social-Democracia de Adam Przeworski, cientista político polonês radicado nos EUA[1] . 

O autor apresenta uma análise histórica do socialismo na sociedade capitalista. Nas linhas que seguem, após a introdução de algumas considerações gerais sobre a social-democracia e a apresentação do livro, o autor trata da decisão de participação eleitoral dos socialistas nas eleições do século XIX, visando a conquista do poder político.

O Cientista trata do capitalismo democrático e da participação política, definindo o que entende por capitalismo e explicando de forma sucinta o funcionamento do sistema capitalista de organização social da produção e troca. Aponta a democracia política participativa como oportunidade dos trabalhadores defenderem alguns de seus interesses e reivindicarem seus direitos.

Aborda a participação eleitoral e a organização de classe, discutindo se o envolvimento dos socialistas na política eleitoral poderia resultar no socialismo ou reforçaria a ordem social existente, isto é, capitalista.

Przeworski relata analiticamente a participação dos socialistas na política burguesa por meio do sufrágio universal e o progresso eleitoral dos partidos políticos em alguns países. Trata a relação da Social-Democracia com a classe operária, confrontando a autonomia e a emancipação política dos operários e a ideologia da burguesia da época em personificar o universalismo.

O dilema eleitoral exposto pelo autor analisa a oscilação dos social-democratas entre a ênfase na classe operária e a procura de aliados para fazer das eleições um instrumento de transformação socialista.

Num outro momento, o autor trata da reforma e revolução, expondo os objetivos a serem atingidos pelos socialistas com o exercício do poder político e a revolução social pelo operariado, por meio das reformas.

Numa exposição dos projetos econômicos e das realidades políticas, o autor analisa os efeitos da propriedade privada dos meios de produção na sociedade, expõe o método de socialização ou nacionalização de produção como meta dos socialistas após a conquista do poder e a realidade política dos social-democratas quando estiveram no poder em determinados países.

Os socialistas abandonam o projeto de nacionalização em favor do bem-estar geral. O autor explica o funcionamento do Estado na Economia e as razões pelas quais os social-democratas abandonaram o movimento de reforma.

Assim, o autor expõe analiticamente o processo de participação dos socialistas nas eleições, desde a decisão de participar até a consecução e o abandono do projeto de nacionalizar os meios de produção em prol do bem-estar geral.

Mas, o que determina a prática dos movimentos políticos? Os movimentos políticos são livres para agir conforme sua vontade? Que condições procuram transformar? Como se desenvolveu o movimento pelo socialismo na sociedade capitalista no século XIX? Que escolhas os social-democratas tiveram que fazer e enfrentar?

Essas questões são tratadas de forma clara e objetiva no texto, proporcionando uma visão panorâmica da busca pelo ideal socialista por meio da classe trabalhadora. O ideal socialista constitui-se pela completa abolição do capitalismo. Utopia? Todos somos dependentes do capital financeiro. A revolução hoje está nos meios de comunicação e informação. Penso que na sociedade sempre vão existir os detentores dos instrumentos de produção e os produtores desses instrumentos.

A leitura do texto proporcionou-me conhecer a participação eleitoral, a relação entre o movimento socialista e a classe trabalhadora e a estratégia de transformação dos socialistas na sociedade capitalista do século XIX e início do século XX, ajudando-me a entender as condições que determinam as práticas dos movimentos políticos. 

Referência:

PRZEWORSKI, Adam. Introdução e A Social-Democracia como fenômeno histórico. In: ________. Capitalismo e social-democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 13-65.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Observatório da realidade: a praça nua



Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues 

A 'Praça de eventos' de Pirapora-MG, na orla fluvial, está nua. Nua de verde. Nua de árvores. Os pés de coqueiros que foram plantados na dita praça simplesmente desapareceram, não existem. A praça está nua de árvores na beira do rio São Francisco. Por estar nessa condição, a maioria das pessoas, e eu me incluo, nos dias de sol escaldante, fica na praça dos Cariris a observar o rio. Um lugar que poderia servir de local de passeio a qualquer hora do dia, com árvores frondosas, sombras, local de meditação sob o barulho das águas, de encontro com a natureza e com parte da cachoeira do Velho Chico. Será que outras pessoas percebem e veem essa nudez? Não adianta dizer que a praça está linda e soltar suspiros de adoração.  Isso é mentira! Acredito, contudo, que os responsáveis pela área de meio ambiente de Pirapora (Prefeitura, CODEMA e outros) lançarão um olhar para essa área. Nesse olhar vão vestir a praça com o verde da natureza, com o plantio de árvores como o tamboril. O tamboril é uma árvore  frondosa e bonita. Assim como a praça de eventos, as praças de nossa cidade precisam ser vestidas com o plantio de árvores, para que se tornem áreas verdes de recreação pública.

Por favor, vistam a praça! Mas, não desvistam as árvores da Avenida São Francisco. 


terça-feira, 11 de junho de 2013

O Manifesto Comunista: apontamentos de leitura

Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues

O Manifesto Comunista, originalmente denominado Manifesto do Partido Comunista (em alemão: Manifest der Kommunistischen Partei), publicado pela primeira vez em 21 de Fevereiro de 1848, é historicamente um dos tratados políticos de maior influência mundial. Comissionado pela Liga Comunista e escrito pelos teóricos fundadores do socialismo científico Karl Marx e Friedrich Engels, expressa o programa e propósitos da Liga.[1]

A Liga dos Comunistas, associação operária internacional que, nas circunstâncias de então, só podia evidentemente ser secreta, encarregou Karl Marx, Friedrich Engels, no Congresso que teve lugar em Londres em Novembro de 1847, de redigir um programa detalhado, simultaneamente teórico e prático, do Partido e destinado à publicação. Tal é a origem deste Manifesto, cujo manuscrito foi enviado para Londres, para ser impresso, algumas semanas antes da Revolução de Fevereiro. O próprio Manifesto explica que a aplicação dos princípios dependerá sempre e em toda a parte das circunstâncias históricas existentes, e que, portanto, não se deve atribuir demasiada importância às medidas revolucionárias enumeradas no final do capítulo II. Esta passagem, atualmente, teria de ser redigida de maneira diferente, em mais do que um aspecto. Dados os imensos progressos da grande indústria nos últimos vinte e cinco anos e os progressos paralelos levados a cabo pela classe operária na sua organização em partido, dadas as experiências práticas, primeiro na Revolução de Fevereiro, depois, e, sobretudo, na Comuna de Paris, que, durante dois meses e pela primeira vez, pôs nas mãos do proletariado o poder político, este programa envelheceu em alguns dos seus pontos. A Comuna demonstrou, nomeadamente, que a "classe operária não pode contentar-se com tomar tal qual a máquina estatal e fazê-la funcionar por sua própria conta". Além disso, é evidente que a crítica da literatura socialista apresenta uma lacuna em relação ao momento atual, uma vez que só chega a 1847. E, de igual modo, se as observações sobre a posição dos comunistas face aos diferentes partidos da oposição (capítulo IV) são ainda hoje exatas nos seus princípios, na sua aplicação elas envelheceram, porque a situação política se modificou completamente e a evolução histórica fez desaparecer a maior parte dos partidos que ali se enumeram. No entanto, o Manifesto é um documento histórico que já não temos direito a modificar. Uma edição posterior será talvez precedida de uma introdução que poderá preencher a lacuna entre 1847 e os nossos dias; a atual reimpressão foi tão inesperada para nós, que não tivemos tempo de escrevê-la. [2]

Um espectro paira sobre a Europa – o espectro do comunismo. (p.19). Com o fantasma do comunismo a rondar a Europa no século XIX, Marx e Engels iniciaram o texto do Manifesto Comunista, publicado em 1848.

Os autores apresentaram suas ideias, objetivos e tendências do comunismo em quatro capítulos, a fim de descartarem as lendas que ocorriam a respeito dos comunistas na Europa naquela época.

No primeiro capítulo, Burgueses e proletários, os autores dedicaram atenção especial à história da sociedade e à história das lutas de classes. (p.19). Esclareceram que historicamente a sociedade se reduzia a duas classes antagônicas: a burguesia e o proletariado. (p.20). Descreveram criticamente a constituição da burguesia desde a Idade Média até aqueles dias, constatando que a burguesia sempre foi o resultado de um longo percurso de desenvolvimento e de uma séria de revoluções nos sistemas de produção e de troca. (p. 21).

Constataram, ainda, que a burguesia desempenhou um papel proeminentemente revolucionário na história. Dissolveu todas as relações feudais, patriarcais e idílicas; substituiu a exploração camuflada de ilusões religiosas e políticas pela exploração aberta; transformou o médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem de ciência em trabalhadores assalariados; arrancou o véu do sentimento que envolvia as relações de família, reduzindo-as a simples relações monetárias; revolucionou todos os meios e relações de produção e com elas todas as relações sociais. (p.21).

Nesse sentido, o que parecia sólido, desaparece; o que era sagrado, tornou-se profano, e os homens foram obrigados a conviver serenamente com suas condições e relações de vida. A burguesia expandiu-se e estendeu-se por todas as nações, graças ao desenvolvimento dos meios de produção, dos meios de comunicação, da sua mercadoria barata. (p.22). Concentrou nas mãos de poucos a propriedade da sociedade, centralizando a política. (p.23). De que maneira a burguesia conseguiu vencer as crises comerciais, a epidemia da superprodução? Destruindo grande parte das forças produtivas, conquistando e explorando novos mercados.

O Manifesto ressaltou a produção dos proletários pela burguesia. Os choques entre as classes da velha sociedade favoreceram o desenvolvimento do proletariado. A burguesia viveu em guerra contra a aristocracia, contra seus próprios interesses e contra a burguesia dos países estrangeiros. Nessas lutas, buscou auxílio no proletariado, empurrando-o para a área política. Dessa forma, possibilitou a politização do proletariado e o armou contra ela própria. O proletariado tomou consciência de sua força, enxergou as suas condições precárias de vida e de trabalho; nasceram os conflitos entre o operário e o burguês. Assim, os operários começaram a se unir em sindicato contra os burgueses e foram considerados uma classe revolucionária frente à burguesia. (p. 24-27). 

Qual a posição dos comunistas em relação ao proletariado, de maneira em geral (p.29), questionaram Marx e Engels no início do segundo texto. Esclareceram que os comunistas comungavam dos mesmos interesses do proletariado. Pretendiam modelar o movimento operário, formulando princípios particulares. Não se opunham aos outros partidos operários. Os comunistas pretendiam a constituição dos proletários em classe, a derrubada da supremacia burguesa e a conquista do poder político pelo proletariado (p. 29).

Explicaram que a doutrina comunista refletia a realidade daquela luta de classe entre burguesia e proletariado. Os comunistas tinham sido os únicos que propuseram a abolição da propriedade em geral. Segundo os autores, a propriedade privada resultou do antagonismo entre capital e trabalho assalariado. O capital foi resultado de uma ação coletiva, dos esforços da sociedade, devendo ser tomado como uma força social e não pessoal (p.29).

Sobre o trabalho assalariado, os comunistas pretendiam eliminar o caráter degradante de apropriação do capital sobre o trabalho do operário que o obrigava a viver exclusivamente para ampliar o capital  em função da classe dominante, a burguesia. Se no sistema burguês o trabalho vivo destinava-se a aumentar o trabalho acumulado, no sistema comunista, o trabalho acumulado se reduzia de modo que ampliasse, enriquecesse e promovesse a vida do trabalhador (p.30-31).

No Manifesto, os comunistas se defendiam de acusações da burguesia sobre a abolição da propriedade e a abolição da família. Sobre a família, argumentavam que a base da família burguesa estava no capital, no ganho individual. A família perfeita encontrava-se na burguesia; em contraposição, a família operária foi suprimida, originando a prostituição (p.32).

Confessaram que queriam acabar com a exploração dos pais sobre seus próprios filhos. Advogaram a educação social em lugar da educação doméstica e a libertação das mulheres enquanto instrumento de produção. Atacaram os burgueses de praticarem a sedução das esposas uns dos outros (isso hoje é tido como adultério), a prostituição e de disporem das mulheres e filhas de proletários (p.32-33).

Questionaram: Será que requer grande acuidade de espírito para se compreender que ideias, noções, concepções, numa palavra, a consciência do ser humano sofre modificações em função das mudanças que se operam nas condições concretas de sua existência material, em suas relações sociais, em sua vida social? Não é isso que a história das ideias confirma, que a cultura se modifica na medida em que se modifica a produção material? As ideias dominantes de uma época sempre foram as ideias da classe dominante (p.34).

Traçaram no Manifesto as medidas que poderiam ser postas em prática com a revolução operária elevando o proletariado à classe dominante, em busca da democracia. Com a supremacia, o proletariado arrancaria aos poucos o capital em poder da burguesia e centralizaria os instrumentos de produção nas mãos do Estado. Sendo assim, desapareceriam as divergências de classe, centrariam a produção nas mãos de associados e o poder perderia seu caráter político (p. 35-36).

A Literatura socialista faz parte do terceiro texto do Manifesto. Teceram críticas a três tendências comunistas daquela época. O socialismo reacionário, subdividido em socialismo feudal, socialismo pequeno-burguês e socialismo alemão; o socialismo conservador burguês e o socialismo e comunismo crítico-utópico.

No quarto texto, retrataram a posição dos comunistas diante dos diferentes partidos políticos de oposição, enfatizando o apoio incondicional dos comunistas a qualquer atividade revolucionária que se movimentava contra a atualidade da época, nas lutas social e política, em qualquer parte do mundo.

Finalizaram o Manifesto com um apelo: Proletários de todos os países, uni-vos! 

O Manifesto centra-se, essencialmente, na realidade da Alemanha de 1846-1848. Porém, ajuda-nos a pensar questões sobre globalização, hegemonia, exploração do trabalho infantil, desarranjo familiar, igualdade de oportunidades para homens e mulheres, educação, a origem da propriedade privada e sua função na sociedade atual, a organização dos trabalhadores, o trabalho assalariado, dentre outras. Encaro o Manifesto como um instrumento político, escrito pelos militantes e ativistas, Marx e Engels, que visaram tomar o poder político das mãos da burguesia. Acreditaram nos trabalhadores encabeçando o poder político da época, porque estes viviam em condições subumanas, eram mal pagos e viviam expostos a jornadas intensas de trabalho. Hoje a situação de muitos trabalhadores continuam as mesmas ou até piores. Um dos exemplos é a situação em que vivem muitos catadores de materiais recicláveis, catadores de papéis na maioria das cidades brasileira. Muitos ainda catam materiais nos lixões para alimentarem-se, viveem condições precaríssimas de trabalho e são explorados pelos atravessadores que compram o material catado a preço de miséria. Outro exemplo é a exploração do trabalho infantil ainda por carvoarias ou por muitos pais. Os primeiros exploram para aumentar o seu capital; os segundos, para sobreviverem. A boa nova é que o governo tem realizado uma vigilância e campanhas voltadas para a erradicação do trabalho infantil, visando proteger as crianças. Se fôssemos comparar e analisar detalhadamente a situação daquela época com a de hoje não notaríamos muita diferença, porque a história se reveste na luta de classes, na concentração de riquezas, na má distribuição de renda, na desigualdade social.

Portanto, estou convencida de que o Manifesto Comunista poderá ser extremamente útil àquelas pessoas que necessitarem de inspiração para combater ou contestar os espectros que rondam a realidade ou a sociedade de hoje ou sua própria vida. O Manifesto é um documento histórico que se constituiu em um alerta contra a exploração do trabalho em favor do proletariado e na luta pelos seus direitos. 

Referência:

MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. In: Karl Marx e Friedrich Engels. São Paulo: Global editora, 1981, p. 19-45.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Até O Fim

Não vim até aqui
Pra desistir agora
Entendo você
Se você quiser ir embora
Não vai ser a primeira vez
Nas últimas 24 horas
Mas eu não vim até aqui
Pra desistir agora
Minhas raízes estão no ar
Minha casa é qualquer lugar
Se depender de mim
Eu vou até o fim
Voando sem instrumentos
Ao sabor do vento
Se depender de mim
Eu vou até o fim
Eu não vim até aqui
Pra desistir agora
Entendo você
Se você quiser
Ir embora
Não vai ser a primeira vez
Em menos de 24 horas
A ilha não se curva
Noite adentro
Vida afora
Toda a vida
O dia inteiro
Não seria exagero
Se depender de mim
Eu vou até o fim
Cada célula
Todo fio de cabelo
Falando assim
Parece exagero
Mas se depender de mim
Eu vou até fim
Não vim até aqui pra desistir agora
Não vim até aqui pra desistir agora

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Rumo dos Ventos

"A toda hora rola uma história
Que é preciso estar atento
A todo instante rola um movimento
Que muda o rumo dos ventos
Quem sabe remar não estranha
Vem chegando a luz de um novo dia
O jeito é criar um outro samba
Sem rasgar a velha fantasia."
 
(PAULINHO DA VIOLA, Rumo dos Ventos)

terça-feira, 4 de junho de 2013

Cronotopo: algumas reflexões



Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues

Cronotopo é uma composição das palavras gregas cronos: tempo e topo: lugar. É um conceito usado por Mikhail Bakhtin para tratar da relação espaço-tempo no âmbito literário. Nesse sentido, o conceito aparece em Marília Amorim (2006) no texto Cronotopo e exotopia.[1] A autora desenvolve o conceito de cronotopia e os modos possíveis de abordar a relação tempo-espaço. O princípio primeiro de cronotopos[2] é o tempo, elemento privilegiado, articulado no espaço e culturalmente construído.

Na visão Bakhtiniana podemos pensar cronotopo como expressão da indissociabilidade da relação entre espaço e tempo que forma o todo em equilíbrio mas não se separa. O termo é entendido em toda a sua relação com a teoria da relatividade de Einstein. Indica a interdependência entre o tempo e o espaço. Expressa o indivíduo no tempo e no espaço. A concepção de tempo traz consigo uma concepção de homem e, assim, a cada nova temporalidade, corresponde um novo homem.[3] O cronotopo constrói a imagem do indivíduo dentro do texto literário, determinando as relações dos personagens e tornando concreto o espaço descrito no romance. Por esse ângulo, os índices do tempo descobrem-se no espaço e este é percebido e medido de acordo com o tempo.[4] O tempo transforma o individuo que transforma o espaço, num movimento dialógico, onde existe articulação com o espaço do outro. Esse movimento pressupõe abertura e inacabamento. Marca a dimensão histórica de fenômenos que estudamos como movimento em constante tensão e abertura. 

O cronotopo permite a materialização do tempo no espaço, como se o tempo se tornasse visível.  Segundo Marília (2006), o cronotopo para Bakhtin é uma das instâncias principais para o entendimento do texto literário. Ao longo de todo o texto, Bakhtin deixa claro que deseja saber, em cada época da história do romance, como o problema do tempo é tratado ou qual é a concepção de tempo que vigora.[5] Bakhtin acompanha a inscrição do tempo no espaço da representação.

Ana Lúcia Furquim de Campos[6] analisa o cronotopo da enunciação das propagandas impressas e televisivas da Coca-cola. No discurso publicitário, a autora afirma que as categorias de tempo e espaço são elementos importantes para a construção de sentidos de propagandas da Coca-Cola. Nas propagandas a idéia é de divindade, de “poder” trazer “alegria”, de “refrescar”, de satisfazer desejos das pessoas. Os discursos publicitários da Coca-Cola atingem o emocional do indivíduo, enfocando a idéia de prazer e refrescância ao tomar o refrigerante.  As campanhas estão sempre focadas com o momento presente e apresentam cenas dos mais diversos lugares para criar justamente a idéia de universalidade. Reforçam a idéia de que a Coca-Cola está presente todo o tempo em qualquer lugar, numa relação cronotópica indissolúvel.

Nessa perspectiva, Campos considera o tempo como um importante gerador de desejo, pois a cada momento as paixões renovam-se, modificam-se. O tempo anima os desejos e altera o espaço dando-lhe novas cores e sentidos. Isso ocorre porque o tempo está ligado a uma época, o que caracteriza o significado do ser humano. O ser humano molda-se à realidade de acordo com o espaço que ocupa. A idéia é de abertura e ajuste ao tempo-espaço[7].

O sentido que faço do cronotopo não é necessariamente o que Bakhtin faria ou o que Amorim interpreta e Campos analisa, mas  inspira-se neles.

O cronotopo na escola é assim regido pelo tempo da prescrição. O local de interseção da relação espaço-tempo na escola é a sala de aula. Ali acontece a realização dos trabalhos escolares.

Em um passeio pela história da institucionalização da escola primária no Brasil[8], percebemos a construção social e histórica do tempo na escola. A definição de tempos de aprendizagem, a relação entre escolarização de conhecimentos e tempos, a distribuição, utilização, constituição dos métodos pedagógicos, organização de turmas, classes e espaços escolares estão relacionados ao cronotopo. A escola passa a ser lugar coletivo com vivências múltiplas, definida pela ordem social.

Faria Filho e Vidal (2000) traçam um quadro da escola primária no Brasil do século XVIII ao século XX. Para eles, durante esses séculos, mais precisamente no período colonial, as escolas funcionavam em espaços improvisados onde os alunos permaneciam por quatro horas diárias. Naquela época, existia uma rede de escolarização doméstica[9] de ensino individual e de tempo individualizado. O centro era o ensino e a aprendizagem da leitura da escrita e dos cálculos.

Nesse período, começou a aparecer o debate sobre um novo método de ensino que culminou com a implantação do “método mútuo”, ou seja, possibilitava que um único professor lecionasse para até 1.000 alunos com a ajuda dos alunos-monitores, contando com espaços e materiais adequados, objetivando a organização e repartição dos conteúdos.

Com isso, nasceu a preocupação com a utilização do tempo na escola e sua articulação com outros tempos sociais, numa perspectiva mais produtiva do ensino.

A falta de prédios escolares apropriados também estava no debate político da época e levou o governo à criação das “escolas-monumento”, caracterizadas por edificações notáveis para funcionamento dos grupos escolares.

Com esses novos espaços as pessoas passaram a se adaptar à vida da escola, com novas referências de tempos e novos ritmos[10] . Os quadros de horários delimitavam o tempo escolar com uma distribuição diária, semanal, mensal e anual do processo de ensino, aprendizagem e avaliação. [11] A pretensão do governo era dotar os grupos escolares de normas e instrumentos de controle do tempo e de horários escolares. A escola passa a racionalizar o tempo e se adaptar ao ritmo da sociedade capitalista.

No século XX, nos anos de 1920 a 1930, tempo e espaço escolares são ressignificados pelo Estado e, a partir de 1970, os grupos escolares são extintos e passa a vigorar com a Lei 5.692/71 o ensino fundamental até a 8ª série.

Nessa breve retrospectiva histórica, percebemos que em um primeiro momento a relação tempo-espaço é indissociável e acompanha a evolução dos espaços onde o ensino era processado: em casa, individualmente ou em outros espaços improvisados e nos prédios públicos.

As escolas de improviso, monumentais e funcionais ocuparam um lugar no tempo em uma formação social e historicamente determinada e construída pela ideologia da classe dominante daquela época.

Hoje a escola funciona em espaços públicos e privados, com algumas possibilidades de ensino (presencial, à distância, semi-presencial, ensino mútuo) sem mudar de lugar (em casa ou em outros espaços), possibilitando o ensino presencial (turmas com até 50 alunos), à distância (em casa ou em turmas que variam o número de alunos), semi-presencial (estuda em casa com encontros técnicos presenciais na universidade) e ensino mútuo (cursinhos pré-vestibulares com mais de 100 alunos por turma). O tempo varia tendo sempre um espaço.

No espaço onde o ensino acontece encontramos outras pessoas, outras culturas em tempos que atravessam dias, meses, anos, décadas, séculos. Nosso contato com o outro obedece às variações do espaço e do tempo. A nossa necessidade nos torna mais dependentes do tempo em um espaço de ensino.

Tomando como exemplo os espaços de ensino à distância[12], encontramos ensino e aprendizagem sem limitação de tempo. Em muitos ambientes o tempo é materializado pelo aluno de acordo com sua disponibilidade e recursos tecnológicos. Entendemos, então, que o ambiente representa o papel do cronotopo. É no ambiente que o tempo acontece, se transforma e movimenta. O espaço onde o ensino acontece é histórico e social. Podemos pensar que se o tempo é uma construção histórica e espaço equivale a social, tempo-espaço é uma construção histórico-social intimamente ligada a cronotopo.

Nesse sentido, a escola é o cronotopo onde as transformações acontecem num movimento de tensão e abertura, de construção e desconstrução permanentes.






[1] AMORIN, Marília. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: outros conceitos-chave/Beth Brait. (org.). São Paulo: Contexto, 2006, p. 95-114.

[2] Ibid., p.102.

[3] Ibid., p.103.

[4] Ibid., p.102.

[5] AMORIN, Marília. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: outros conceitos-chave/Beth Brait. (org.). São Paulo: Contexto, 2006, p.102-3

[6] CAMPOS, Ana Lúcia Furquim de. A pausa que refresca... tempo e espaço nas propagandas da Coca-Cola. www.accessmylibrary.com/coms2/summary_0286-32017198_ITM. Acesso em: 03 nov. 2007.


[8] FARIA FILHO, Luciano Mendes; VIDAL, Diana Gonçalves. Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil. Revista Brasileira de Educação, n. 14, p. 19-34, Mai/Jun/Ago, 2000.

[9] FARIA FILHO, Luciano Mendes; VIDAL, Diana Gonçalves. Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil. Revista Brasileira de Educação, n. 14, p. 19-34, Mai/Jun/Ago, 2000.

[10] Ibid., p. 25.

[11] Ibid., p. 25.


[12] Estratégia de ensino e de aprendizagem sem uma proximidade física entre professor e alunos, realizada por meio de algum recurso tecnológico intermediário como cartas, textos, impressos, televisão ou ambientes computacionais.