terça-feira, 30 de abril de 2013

A Ideologia Alemã: apontamentos de leitura

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Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues

Escrita na época dos primeiros movimentos autônomos da classe operária europeia, a Ideologia Alemã é uma instigante incursão pela teoria materialista e dialética da história. É a exposição da filosofia marxista.

Os autores criticam os neo-hegelianos pela filosofia fantasiosa sobre o mundo, sobre a falsa realidade resumida ao mundo das ideias.  Criticam Hegel pela redução do mundo material ao mundo das ideias, do pensamento. No idealismo de Hegel, as ideias, os pensamentos e os conceitos produzem, determinam, dominam a vida real dos homens, seu mundo material, suas relações reais.

A crítica sobre a filosofia alemã de Strauss a Stirner limita-se à crítica das representações religiosas. O progresso do mundo estava ligado à religião tida como redentora, dominadora e legítima representante do Estado.

Marx e Engels questionam os filósofos sobre a relação entre a filosofia alemã e a realidade alemã, a relação entre a crítica e o meio material.

Distinguem os homens dos animais pelo fato de produzirem seus meios de vida e não pelo fato de pensar como defendia Hegel. O que o homem é depende das condições materiais de sua produção. Toda relação do homem é uma relação condicionada pela produção. A produção determina a divisão do trabalho, a separação entre cidade e campo.

As fases do desenvolvimento da divisão do trabalho representam diferentes formas de propriedades e determinam as relações dos indivíduos, segundo os autores. Nesse sentido, dividem as propriedades em tribal, comunal ou Estatal e feudal. A primeira corresponde à fase não desenvolvida da produção, à divisão natural do trabalho, onde a natureza é explorada para a subsistência do indivíduo. A segunda fase consiste na reunião de tribos para formar uma cidade, por contrato ou por conquista, gerando a escravidão. Nessa fase, a divisão do trabalho é mais desenvolvida, há separação entre cidade e campo e as relações de classe são visíveis. A última fase é representada pela classe produtora da época, os pequenos camponeses.

Dessa forma, os materialistas traçam o panorama da classe produtora, iniciada com as comunidades tribal e comunal, até os pequenos camponeses servos da gleba. O feudalismo se desenvolve e a nobreza passa a dominar os servos, originando as corporações de ofício. No feudalismo deu-se a divisão do trabalho entre a cidade e o campo.

Indivíduos determinados estabelecem entre si relações sociais e políticas determinadas com conexão entre estrutura social, política e produção. Os homens são condicionados pelo mundo de produção de sua vida material. São pressupostos reais e fazem parte do processo de desenvolvimento, empiricamente visíveis, fazem parte da história. Para “fazer história”, precisam satisfazer suas necessidades básicas, por meio da produção da vida material. O ato histórico pressupõe a atividade de produção, a satisfação de necessidades e a procriação ou produção da vida.

A linguagem e a consciência nascem da necessidade de intercâmbio com outros homens. A consciência é um produto social. A força de produção, o estado social e a consciência podem entrar em contradição com a divisão do trabalho espiritual e material realizados por indivíduos diferentes.

A divisão do trabalho começa na família, com uma distribuição desigual, sendo a mulher e os filhos escravos, propriedades do marido.

Os filósofos, Marx e Engels, distinguem interesse individual do interesse coletivo de onde nasce a contradição. Do interesse coletivo surge o Estado, coletividade ilusória, baseada nos laços existentes na família, na tribo, nas classes. Toda classe que aspira à dominação deve conquistar primeiro o poder político, representado como interesse geral. O poder social, coletivo ilusório, gera alienação entre os homens e seus próprios produtos, intercambiados pela sociedade civil.

A consciência é produzida por indivíduos singulares em contato prático com a produção do mundo inteiro. A concepção da história não é idealista nem fantasiosa, como queria Hegel, é dialética e real, explicada pela práxis material, pela produção da vida real e pela relação dos homens com a natureza. A força motriz da história é a revolução do proletariado a ser efetivada pelas circunstâncias alteradas e não a ilusão religiosa, as reduções teóricas.

Marx e Engels reconhecem que Feuerbach tem sobre os materialistas puros a vantagem de compreender que o homem é também um objeto sensível. Mas, Feuerbach reduz o homem a esse objeto, divorciado do materialismo e da história. Não reconhece o homem como atividade sensível, viva e real.

Uma das principais forças da história, segundo os autores, é a divisão do trabalho.

A obra Ideologia Alemã, obra comum escrita por Marx e Engels,  funda sua concepção no ser social e expõe de forma sistemática os princípios do materialismo histórico e do socialismo científico. Assenta as bases iniciais no socialismo como ciência. Critica a filosofia especulativa, reforçando que os filósofos sempre dominaram e fabricaram a história de acordo com suas imaginações, não levando em conta a vida real, material.

É um livro ousado e instigante que expressa como os homens criam os meios para a produção da vida e necessitam satisfazer suas necessidades primárias e secundárias para se manterem vivos.

Referência:

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). São Paulo: HUCITEC, 1979. p. 17-77.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Os botões da blusa



Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues

Um casal de namorados caminha displicentemente pela rua de uma cidade conhecida por Buritis. De repente, ela se sente atraída pelo olhar de alguém. Percebe um rapaz em um grupo ali perto olhando para os dois. À medida que o casal se aproxima, nota mais pessoas no grupo que se encontra parado no início de uma calçada paralela à rua ao lado de um carro. Os olhares se multiplicam. O grupo observa o casal. Ela, então, vê uma figura muito conhecida no grupo. Neste momento, bem mais próximo do grupo, aquela figura de destaque chama o nome dela e dele. A partir daquele momento, ela se concentra somente nas pessoas do grupo, não dando conta da conversa que flui no mesmo instante, entre ele e aquela figura que representava o próprio poder numa outra cidade vizinha conhecida por Vazante. Ela cumprimenta um a um dos presentes e não nota outras figuras dentro do carro ali parado. O casal, então, despede-se do grupo e continua sua caminhada pela calçada rumo ao evento que acontece logo à frente. Quando já estava um pouco mais afastado, o casal explode no riso. O olho do poder estava por toda a parte. Aliás, eles encontraram o próprio poder. Depois, foram para a fila, mas o pensamento dos dois estava no que tinha acabado de acontecer. Ela ria o tempo todo e só depois é que se deu conta da situação. Entraram e saíram imediatamente do local onde acontecia o evento. Tinha muita gente, muito barulho. Os dois precisavam conversar sobre o acontecido. Eles sentaram, então, num local de pouco movimento e foram conversar. Conversaram muito sobre a figura que representava o poder e... Ela ouvia tudo e pensava como as coisas tinham caminhado até ali. Ah! Noite fria. Foram embora daquela cidade. Assim que chegaram à cidade de Vazante, foram para a casa dele, fizeram café e conversaram. Ele falou sobre os sonhos que tinha. Nos sonhos ele se via no passado, num barco bem real. O passado envolvendo o presente. A realidade envolvendo o passado. Depois de quase esgotada aquela conversa e as emoções vividas naquele dia, foram dormir. A vontade de juntar os corpos para saciar o desejo de amar se fez mais forte. Muito frio lá fora.  Roupas espalhadas. Os dois foram para cama e o desejo falou mais forte. “Os botões da blusa que você usava [..] Nos lençóis macios, amantes se dão, travesseiros soltos, roupas pelo chão, braços que se abraçam, bocas que murmuram”. Na manhã seguinte, acordaram bem mais tarde, rindo da situação.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Viver devagarinho

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"O certo era a gente estar sempre brabo de alegre, alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse, alegre nas profundezas. Podia? Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma."

João Guimarães Rosa

terça-feira, 16 de abril de 2013

Pobreza: problema do indivíduo ou da estrutura social?



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Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues

Sabe-se que a questão da pobreza e da exclusão social está relacionada ao surgimento do capitalismo e da sociedade de mercado. Essas questões surgiram na Europa Ocidental num período conhecido como Modernidade, que vai do século XVI ao XIX. (SANTOS, 2009).  

Naquele momento, começaram a aparecer os pobres. Na concepção de Santos (2009), os pobres eram indivíduos que vagavam nas cidades em busca de meios de sobrevivência.

Revisitando a história, percebe-se que a estrutura da sociedade medieval, caracterizada pela organização feudal, apoiava-se em três estratos: o Clero, os proprietários de terra (Senhores), e os trabalhadores destas terras (Servos da Gleba). Os Servos da Gleba eram subordinados aos Senhores e eram os pobres daquela época. Viviam nas terras dos Senhores e prestavam-lhes serviços. De qualquer forma, os Servos eram pobres “incluídos” no sistema feudal. (SANTOS, 2009).

Contudo, de acordo com Santos (2009), havia aqueles pobres, tidos como insubordinados e desobedientes, que não encontravam lugar nos feudos. Dessa forma, essas pessoas viviam às margens do sistema, em bosques e terras coletivas, ao longo das estradas, praticando assaltos ou pedindo esmolas, conforme representa a fábula de Robin Hood. Suas ações eram combatidas com violência, pelos cavaleiros do feudo. A autora  aponta que essas pessoas não eram objeto de qualquer preocupação por parte dos Senhores feudais constituídos como autoridade política da época.

Consequentemente, no momento em que a sociedade se ordenou e se realizou, os problemas sociais surgiram. Naquele momento, as pessoas começaram a sair do campo e foram para a cidade. As cidades, então, cresciam e se multiplicavam. Sendo assim, mudanças aconteciam nas formas e nas relações de trabalho. As pessoas saiam em busca de trabalho. Com o aumento da circulação de pessoas na Europa, entre os séculos XVI e XVII, em busca de trabalho, aprofundou-se a pauperização. (SANTOS, 2009).

Nessa breve análise histórica, percebe-se que o capitalismo já nasce com controvérsias, ou seja, capaz de gerar riqueza e pobreza. Com essa constatação, apreende-se que a sociedade está estruturada a partir da desigualdade. Esta, por sua vez, pode ser considerada um mecanismo de produção e reprodução da pobreza. A desigualdade é consequência das diferenças de renda e da falta de acesso de pessoas e de grupos aos bens de direito, de acesso a uma renda adequada e de um padrão de vida comum. Então, entende-se que a pobreza pode ser considerada um problema da estrutura social, que gera extremos de riqueza e de pobreza.

Se por um lado, presenciamos pessoas excessivamente ricas, de outro, vemos desafortunados entregues à própria sorte e à dureza da fome e da miséria. Enquanto uns possuem residências suntuosas, palácios pomposos e majestosos, outros, não têm onde encostar a cabeça. Portanto, a sociedade gera riqueza que é apropriada apenas por alguns segmentos sociais.

Sabe-se que a igualdade é uma ilusão e inteiramente impraticável. “Mesmo que a igualdade pudesse ser atingida, não poderia continuar; e, se sua existência fosse possível, a ordem total do mundo seria destruída. A lei da ordem deve sempre prevalecer no mundo da humanidade”. (‘ABDUL’L-BAHÁ, 2005, p.128-129).

Sobre a questão da igualdade, ‘Abdul’l-Bahá (2005) explica que no mundo algumas pessoas são cheias de inteligência, outras possuem inteligência vulgar e ainda outras são desprovidas de intelecto. Diz que nessas três classes de indivíduos há ordem, mas não igualdade. Nesse sentido, questiona: “como seria possível que a sabedoria e a estupidez fossem iguais?” O autor compara a humanidade a um grande exército. Para Ele, 
a humanidade, semelhante a  um grande exército, requer um general, capitães, suboficiais e soldados, cada um com seus deveres determinados. A hierarquia é absolutamente necessária para assegurar uma organização bem ordenada. Um exército não pode ser composto unicamente de generais ou de capitães apenas, nem somente de soldados, sem alguém de autoridade. O resultado inevitável nessa hipótese seria a desordem e a desmoralização para o exército inteiro. (‘ABDUL’L-BAHÁ, 2005, p.129).

‘Abdul’l-Bahá (2005)  argumenta também que é necessária uma organização para controlar e melhorar esse estado de coisas referentes aos extremos de riqueza e pobreza, ou seja, alguns excessivamente ricos e outros lamentavelmente pobres. Diz que é importante limitar a pobreza e a riqueza, porque nenhum extremo é bom; e que deve haver leis especiais para tratar desses extremos, sendo inadmissível protelar a alteração das condições que trazem a miséria da pobreza oprimente a inúmeras pessoas. Com suas sábias palavras, Ele alerta que deixar a pobreza chegar ao estado de inanição é sinal certo de que em algum lugar se encontra a tirania.

Essas considerações vêm de encontro à análise que Santos faz da pobreza, das desigualdades e da exclusão social. Segundo a autora, essas questões têm se constituído em objeto de preocupação explícita da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Banco Mundial, consideradas agências multilaterais de fomento ao desenvolvimento. Para lidar com a questão das desigualdades sociais, estima-se que a “implementação de políticas públicas de redistribuição de renda seria um meio mais efetivo de redução do número de pobres”. (SANTOS, 2009, p. 21-22).

Nessa direção, a primeira tentativa de lidar com a pobreza se dá quando surge a Lei dos Pobres, na Inglaterra, muito criticada pelos liberais. Essa Lei é considerada a primeira forma de intervenção do Estado para a proteção dos indivíduos que não conseguiam arcar com a satisfação de suas necessidades. Hoje, percebem-se formas variadas e ampliadas de proteção social.

Na visão de Santos (2009), a proteção social está fortemente ancorada no Estado de Bem-Estar-Social. O Estado passa a usar a força estatal por meio da implementação de políticas públicas, visando intervir nas leis de mercado e assegurar para os seus cidadãos um patamar mínimo de igualdade social.

As políticas de intervenção social no Brasil têm sido caracterizadas como programas sociais focalizados ou universais, segundo Santos (2009). As políticas  focalizadas são destinadas ao atendimento de segmentos específicos da população, como os mais pobres, os portadores de deficiência, os idosos ou outros grupos. Por sua vez, as políticas sociais universalistas se aplicam a toda população, sem restrição de qualquer natureza, como por exemplo, O Sistema Único de Saúde - SUS, O Sistema Único de Assistência Social – SUAS  e a Educação Fundamental.

Santos (2009) considera que a renda distribuída por meio da previdência e da assistência social tem sido fundamental para a redução das desigualdades e expansão do consumo no país, nos últimos anos.

Por fim, vale lembrar que o Estado enfrenta um conjunto de desafios contemporâneos que fazem parte do drama social brasileiro vivido por inúmeras pessoas. Esses desafios requerem ações eficazes e eficientes que dependem de articulações entre os diversos níveis de governo para erradicar a miséria e estabelecer o direito de todos ao pão de cada dia, essencial à vida e a igualdade dos meios de subsistência.

Referências:

‘ABDUL’L-BAHÁ. Palestras de ‘Abdul’l-Bahá, Paris – 1911. 4ª Ed. Mogi Mirim: Editora Bahá’í do Brasil, 2005.

SANTOS, Maria Paula Gomes dos. O Estado e os problemas contemporâneos. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração / UFSC; [Brasília] : CAPES: UAB, 2009.

sábado, 13 de abril de 2013

terça-feira, 9 de abril de 2013

Onde Deus possa me ouvir

Vander Lee

Sabe o que eu queria agora, meu bem...?
Sair chegar lá fora e encontrar alguém
Que não me dissesse nada
Não me perguntasse nada também
Que me oferecesse um colo ou um ombro
Onde eu desaguasse todo desengano
Mas a vida anda louca
As pessoas andam tristes
Meus amigos são amigos de ninguém.
Sabe o que eu mais quero agora, meu amor?
Morar no interior do meu interior
Pra entender porque se agridem
Se empurram pro abismo
Se debatem, se combatem sem saber
Meu amor...
Deixa eu chorar até cansar
Me leve pra qualquer lugar
Aonde Deus possa me ouvir
Minha dor...
Eu não consigo compreender
Eu quero algo pra beber
Me deixe aqui pode sair.
Adeus...

A Escola conservadora e os excluídos do interior: apontamentos de leitura

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 Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues


Pierre Bourdieu: nascido numa família campesina, em 1951 ingressou na Faculdade de Letras, em Paris, na Escola Normal Superior. Em 1954 graduou-se em Filosofia, assumindo a função de professor em Moulins. Após prestar serviço militar na Argélia, assumiu, em 1958 o cargo de professor assistente na Faculdade de Letras em Argel, quando iniciou sua pesquisa acerca da sociedade cabila. Em 1960 tornou-se assistente de Raymond Aron, na Faculdade de Letras de Paris e principiou seus estudos acerca do celibato na região de Béarn. Ainda em 1960 integrou-se ao Centro de Sociologia Europeia, do qual tornou-se secretário geral em 1962.[1] 

Desenvolveu ao longo das décadas de 60 a 80 farta obra, contribuindo significativamente para a formação do pensamento sociológico do século XX. Na décadas de 70 estendeu sua atividade docente a importantes instituições estrangeiras, como as universidades de Harvard e Chicago e o Instituto Max Planck de Berlim. Em 1982 ministrou sua aula inaugural ( Lições de Aula) no Collège de France (instituição que três anos mais tarde se associa ao Centro de Sociologia Européia), propondo uma "Sociologia da Sociologia", constituída de um olhar crítico sobre a formação do sociólogo como censor e detentor de um discurso de verdade sobre o mundo social. Neste sentindo, esta aula inaugural encontra-se com a ministrada por Barthes (A aula) e Foucault (A Ordem do Discurso), privilegiando a discussão acerca do saber acadêmico. É consagrado Doutor 'honoris causa' das universidades Livre de Berlim (1989), Johann-Wolfgang-Goethe de Frankfurt (1996) e Atenas (1996). Morreu em Paris, em 23 de janeiro de 2002, depois de finalizar um curso acerca de sua própria produção acadêmica, que serviu de fundamento ao seu último livro, Esboço de auto-análise.[2] 

Na agenda teórica proposta à Teoria Sociológica contemporânea, alguns elementos merecem destaque: a releitura dos clássicos, a construção de conceitos e a postura crítica do intelectual diante de uma tomada de posicionamento político, elementos estes amalgamados em sua discussão sociológica. Ao compor, por exemplo a ideia de campo, Bourdieu dialoga com a ideia de esferas, proposta por Max Weber e, ainda, com o conceito de classe social de Marx.[3]

Os textos A Escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura  e Os excluídos do interior fazem parte do livro Escritos de Educação de Pierre Bourdieu.

O primeiro capítulo, escrito por Bourdieu, trata do sistema escolar como fator de conservação social que legitima as desigualdades sociais e sanciona a herança cultural e o dom social tratado como dom natural. O autor descreve os mecanismos objetivos que determinam a eliminação contínua dos menos favorecidos diante da escola. Afirma que: 
[...]cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas, um certo capital cultural e um certo ethos sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. (BOURDIEU, 1998, p. 41-42).
Bourdieu mostra a influência do capital cultural familiar, por meio de um conjunto de variáveis, no êxito escolar da criança em diversos níveis de ensino. Afirma, baseado em investigações, que as famílias não desejam o impossível. Os desejos são definidos pelas aspirações e exigências das condições objetivas, tudo é determinado pelo destino. A necessidade não é exteriorizada, é interiorizada, implícita, limitada. (Ibid., p. 47).

As mesmas condições que definem as atitudes dos pais dominam as escolhas importantes da carreira escolar, regem também a atitude das crianças diante dessas mesmas escolhas e, consequentemente, toda sua atitude em relação à escola. (Ibid., p. 47-48).

Qual é, então, a responsabilidade da escola na perpetuação das desigualdades sociais? A escola protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta dos privilégios. (Ibid., p.53). Assim, o autor explica como a escola trata os educandos em seus direitos e deveres, como acontece o seu funcionamento e a sua função de conservadora social.

Bourdieu explicita a ação da escola e a prática cultural, questionando as técnicas de ação cultural direta e os empreendimentos de educação popular na perpetuação das desigualdades de acesso frente à escola e aos bens culturais.

O segundo texto, Os excluídos do interior, escrito por Pierre Bourdieu e Patrick Champagne, trata do mal-estar nos liceus parisienses. Os autores discorrem sobre as dificuldades e ansiedades sentidas pelos alunos das famílias culturalmente desfavorecidas frente à instituição escolar.

Os textos analisam sociologicamente o caráter reprodutor, dualista e classista da educação. Fazem-nos refletir sobre a função social da escola hoje. Como as desigualdades são reproduzidas no interior da escola? Quem são os excluídos? Quais são os mecanismos objetivos que determinam e contribuem para a eliminação dos menos favorecidos? O desejo dos pais e descendentes tem realmente influência no êxito escolar? Será realmente que as famílias menos favorecidas cultural e socialmente não desejam o impossível, não sonham, não têm utopia? O sistema escolar é realmente um fator de conservação social?

Os textos nos fazem refletir sobre todas essas questões, sobre a nossa prática como professor e sobre a nossa participação direta ou indireta na manutenção ou transformação da realidade exposta pelos autores e dirige a nossa atenção para os desafios postos em nosso caminho. 

Referência:

BOURDIEU, P. Escritos de Educação. M. Alice Nogueira e Afranio Catani (Orgs.). Petrópolis: Vozes, 1998, caps. II e XI.


[2] Ibid., acesso em 25 jun. 2007.
[3] Ibid., acesso em 25 jun. 2007.