terça-feira, 11 de abril de 2017

Nova previdência do servidor público viola diversos direitos e é inconstitucional

Postado em Artigos Por Rudi Cassel Em 16 janeiro, 2017

Nova previdência que se quer impingir aos servidores é inconstitucional e viola vários direitos

A Constituição Federal foi promulgada em 1988. De lá para cá, o Regime Próprio de Previdência do Servidor Público (RPPS) previsto em seu artigo 40 foi modificado seis vezes. A primeira mudança veio pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993, enquanto as reformas mais importantes foram as mediadas pelas Emendas Constitucionais nº 20 e nº 41. Não suficiente, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 287, protocolada em 5 de dezembro de 2016, pretende realizar a modificação mais radical até aqui idealizada. Mais que uma reforma, estabelece uma nova previdência para servidores. O que a substituirá, no futuro, é algo que somente a certeza sobre o tipo de Estado que se deseja responderá. A proposta viola o direito – em exercício – a regras de transição, o ato jurídico perfeito, a vedação ao retrocesso social, o caráter contributivo e a exigência de fundamentação atuarial.

As sucessivas alterações previdenciárias refletem algo mais grave, ligado ao retrocesso de institutos incorporados ao Estado de Direito, no decorrer da matriz liberal-social-democrática que sucedeu ao absolutismo monárquico. No caso brasileiro, a Constituição andou mais rápida que a realidade, retrocedendo antes de concretizar seus desejos originais.

Em paralelo, as apostas econômicas dominantes se recusam a dialogar com alternativas para que a vida de todos melhore, conduta turbinada pela apatia das ideologias de esquerda, supostamente aniquiladas pela queda de determinados Estados e o consequente fim da História.

O resultado da redução gradativa dos institutos sociais do Estado de Direito é sensível, ameaçando a previdência, o trabalho e a sobrevivência daqueles que não alcançarem os requisitos exigidos, progressivamente mais difíceis de serem atingidos.

Em 1988, o tempo de serviço se sobrepunha à exigência de idade mínima no serviço público, até então desnecessária. Incluída a idade mínima de 60 anos para o homem e 55 anos de idade para a mulher, passou-se a se exigir também o tempo de contribuição de 35 e 30 anos, respectivamente, tudo a partir da EC nº 20, de 1998. Na oportunidade, aos servidores que estavam no regime foram exigidos pedágios para manterem aposentadorias e pensões na forma proporcional ou integral. Ao futuro, permitiu-se a criação da previdência complementar.

Cinco anos depois, a EC nº 41, de 2003, alterou os critérios de cálculo das aposentadorias e das pensões, com graves prejuízos, como a perda da paridade e o cálculo pela média remuneratória. Aos trabalhadores antigos foram criadas regras de transição com acréscimo de requisitos distribuídos entre idade mínima, tempo de contribuição e carências no serviço público, na carreira e no cargo, para a manutenção de algumas garantias. Aos novos, que ingressaram após a instituição do regime complementar sobrevindo em 2013, o teto de benefício passou a ser o mesmo do Regime Geral de Previdência Social.

Diante de algumas arestas, em 2005, 2012 e 2015 foram realizadas alterações pontuais, seguidas pelas constantes reclamações dos governos e dos meios de comunicação de massa, sincronizadas sobre o suposto défict previdenciário (matéria de muitas divergências e abordagens que apresentam superávit pela seguridade), em nítida preferência aos planos privados de benefício, administrados por instituições financeiras que – há tempos – desejam tais investimentos.

Não por acaso, os noticiários atuais dedicam longo tempo à propaganda e orientação sobre a escolha entre múltiplos produtos de seguridade social, ofertados pelos bancos. Trata-se da migração do regime de repartição para o de capitalização; migração parcial, por enquanto.

A evidência de que se deseja uma solução menos social à previdência veio com a PEC 287, que afeta todos os servidores, estabelecendo nova transição apenas aos trabalhadores com idade igual ou superior 50 (homens) e 45 (mulheres) anos. Se aprovada a proposta, praticamente tudo o que se conhece por requisitos e critérios para aposentadorias e pensões será alterado. A idade mínima para homens e mulheres passará a 65 anos, o tempo de contribuição mínimomudará para 25 anos e o patamar inicial dos proventos da aposentadoria será de 51% da média da remuneração contributiva, acrescido de 1% por ano considerado no cálculo. Aqui, um servidor com 65 anos de idade e 35 anos de contribuição receberá 86% (51 + 35) da média, enquanto uma servidora com 65 anos de idade e 30 anos de contribuição receberá 81% (51 + 30) da média. Requisitos de idade e tempo foram equiparados em suas consequências para homens e mulheres, o que significa que ambos precisam trabalhar 49 anos (recolhendo contribuição previdenciária) se desejarem 100% da média remuneratória. Para fecharem 49 anos de contribuição aos 65 anos de idade, devem começar aos 16 anos.

As regras de transição anteriores serão extintas. Os servidores estarão sujeitos às novas regras, salvo aqueles que se aposentaram ou preencheram os requisitos para tanto antes da publicação da nova emenda. Os servidores com idade igual ou superior a 50 (homem) e 45 (mulher) anos serão submetidos a uma nova transição que exige 50% a mais de tempo contributivo restante. A esse grupo, somente aqueles que ingressaram até 31/12/2003 ainda teriam alguma possibilidade de manter paridade e integralidade (sem média), desde que trabalhem 50% a mais do que faltar para o tempo de contribuição de 35 (homem) e 30 (mulher) anos e atinjam, respectivamente, 60 e 55 anos de idade, além de carências no serviço público, na carreira e no cargo.

O teto de benefício do Regime Geral de Previdência Social se estenderá a todos que ingressaram antes do Regime de Previdência Complementar e não integrarem o seleto grupo mencionado no parágrafo acima. Se desejarem receber mais, terão que optar pelo complemento de contribuição para algum regime de capitalização (Funpresp ou outras instituições que ofereçam planos de previdência complementar).

Regimes de capitalização são de contribuição (não de benefício) definida e investem no mercado financeiro, realimentando o que resta de esperança no modelo econômico vigente, sujeito a ciclos de recessão indesejáveis e reiterados, com pequenos intervalos entre um e outro. Na capitalização, sabe-se o valor da contribuição, mas não se sabe qual será seu resultado.

Aos pensionistas, aplicar-se-á a regra da metade mais 10% por dependente, limitada ao valor da aposentadoria a que o servidor teve ou teria direito. Em outras palavras: na morte do instituidor da pensão, o cônjuge recebe 50% do que teria direito o servidor e se tiver dois filhos na condição de dependentes, cada um recebe 10% até que se tornem maiores.

As aposentadorias especiais dos policiais e daqueles beneficiados pela Súmula Vinculante nº 33 do Supremo Tribunal Federal serão modificadas, submetendo seus destinatários a regras bem menos interessantes. No exemplo do policial, permite-se que se aposente com redução de até 10 anos no requisito de idade (55 anos) e redução de até 5 anos no tempo de contribuição (20 anos). No entanto, o cálculo será de 51% da média remuneratória (sem paridade). Ao que tudo indica, os proventos de aposentadoria seriam reduzidos a 71% da média, algo bem inferior ao que pensavam representar a aposentadoria especial na sistemática da Lei Complementar 51, de 1985. A ausência de paridade significa que os proventos da aposentadoria não serão reajustados na mesma proporção dos servidores em atividade, seguindo a mesma sistemática de correção dos benefícios do RGPS, administrados pelo INSS.

A aposentadoria por invalidez deixa de existir e, em seu lugar, o artigo 40 da Constituição passará a prever a aposentadoria por incapacidade permanente para o trabalho (que não admita readaptação), garantindo 100% da média remuneratória somente no caso de acidente de serviço. Nos demais casos, vale a regra de 51% da média, mais 1% por ano contributivo. Justamente por isso, a compulsória aos 75 anos de idade foi remodelada para pior. A aposentadoria por idade foi extinta.

Há vários aspectos de aparente, senão evidente, inconstitucionalidade na proposta. Em primeiro lugar, viola-se o direito a regras de transição específicas trazidas pelas Emendas 41 e 47, com destinatários determinados, que iniciaram o exercício do direito no momento da publicação das emendas. Não foram regras gerais, mas de proteção específica que incidiram sobre todos os que ingressaram até 31/12/2003 (sem contar a dupla proteção aos que ingressaram até 16/12/1998). A transição estabelecida não conferiu expectativa, mas exercício imediato de direito que não pode ser alterado 13 anos depois, sob pena de violação ao artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição.

A vedação ao retrocesso social, princípio de particular importância nos direitos previdenciários, foi abandonado, como se nada representasse. O ato jurídico perfeito constituído para os servidores que preencheram o requisito exigido pelo “contrato” constitucional (o Estado garante, desde que), ou seja, terem ingressado até 31/12/2003, é conjugado com o direito adquirido e ambos têm a proteção constitucional, não podendo ser alterados.

Para piorar, o desrespeito ao caráter contributivo do regime (consequentemente, retributivo) se une à ausência de demonstração atuarial incontroversa da necessidade das mudanças, convergindo para o confisco tributário e remuneratório dos servidores públicos.

Há muitos argumentos que podem ser levantados contra a PEC 287, essenciais à segurança jurídica. Se, em nome de flutuações econômicas (ou pretensamente econômicas), tudo é possível, desestruturam-se os elementos que conferem legitimidade às instituições e conformam a cidadania. O risco de ruptura não é apenas do serviço público, mas do Estado que se acredita democrático e de direito.

Por Rudi Cassel, advogado especialista em Direito do Servidor Público.

Fonte: http://www.blogservidorlegal.com.br/nova-previdencia-do-servidor-publico-viola-diversos-direitos-e-e-inconstitucional/

domingo, 9 de abril de 2017

terça-feira, 4 de abril de 2017

Perguntas e respostas sobre os guardas municipais e o Estatuto Geral das Guardas (Lei 13.022/2014)

Publicado em 03/2016. Elaborado em 02/2016

Marcelo Alves Batista dos Santos

A Lei 13.022/2014 e a jurisprudência pátria trouxeram aos municípios a possibilidade de colaboração com a segurança pública de maneira direta, com a regulamentação da atuação das guardas municipais.

Quando assistimos a TV ou observamos nas ruas das cidades Guardas Municipais em uma praia, praça, fiscalizando ambulantes, no trânsito ou em alguma repartição publica vários pensamentos e questionamentos aparecem na nossa mente.

Guardas Municipais podem prender? Podem atuar armadas? Podem multar ou fiscalizar o trânsito? Têm poder de policia? Podem fazer busca pessoal?

Para responder essas dúvidas, precisamos passar rapidamente pela história de criação das Guardas e toda legislação e jurisprudência que envolve o tema atualmente.

As Guardas Municipais reapareceram na Constituição de 1988 com a missão de proteção de bens, serviços e instalações conforme disposição do artigo 144, parágrafo 8º, o que caracterizava uma função de vigilância patrimonial, pois a atividade primaria de segurança pública ficou a cargo dos Estados com as Policias Militares e Civis na Carta Magna.

Com o aumento da violência, e a sensação de insegurança que se avolumaram no nosso país, e uma tendência de municipalização das politicas publicas, essas organizações começaram a colaborar em atividades de segurança pública e inclusive se apropriar de funções até então exercidas de forma exclusiva pela Policia Militar.

O artigo 144 §8º da Constituição foi regulamentado pela Lei Federal 13.022 de 08 de agosto de 2014, denominado de Estatuto Geral das Guardas Municipais que pode responder boa parte das questões deste trabalho. 

Primeiramente, é comum ver matérias jornalísticas com a noticia que os guardas prenderam alguém. Mas a Guarda Municipal pode prender?

Sim! Em flagrante, segundo o artigo 301 do Código de Processo Penal “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.

O novo Estatuto das Guardas também trouxe no seu artigo 5º, inciso XIV essa possibilidade quando preleciona “encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário”.

Atualmente existe a ADI 5156 no Supremo Tribunal Federal questionando alguns pontos do Estatuto Geral das Guardas Municipais como a prisão em flagrante por parte dos Guardas mas por hora tal Lei é integralmente constitucional.

Se os Guardas Municipais podem prender eles podem realizar busca pessoal?

Sim! Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça STJ no Habeas Corpus Nº 109.105 - SP (2008/0135091-2) o Ministro Relator Arnaldo Esteves Lima Ademais, decidiu que “a prisão em flagrante delito é facultada a qualquer povo, dentre eles, os guardas municipais que se estão autorizados ao mais (realização de prisão), certamente também estão ao menos (efetivação da revista na tentativa de localização do produto do crime)”.

Outros julgados também seguiram o entendimento majoritário possibilitando os guardas realizar a busca pessoal nos termos do artigo 244 do Código de Processo Penal.

As Guardas Municipais podem portar arma de fogo?

Sim, conforme o Estatuto Geral das Guardas se as instituições se adequarem ao previsto no Estatuto do Desarmamento Lei 10.826/03, incisos III e IV, em serviço nos Municípios entre 50 e 500 mil habitantes e em serviço e de folga nos Municípios com mais de 500 mil habitantes, realizando o convenio com a Policia Federal, com capacitação técnica e psicológicas, assim como corregedorias próprias e autônomas conforme a portaria 365 e o Decreto 5123 de 2004 da Presidência da República.

O porte de arma das Guardas talvez seja o mais burocrático dos portes institucionais das forças de segurança, pois precisa seguir a matriz curricular nacional elaborada pelo Ministério da Justiça, a fiscalização da Policia Federal, com a necessidade de realização de exames psicológicos de 2 em 2 anos além de capacitação obrigatória anual, conforme o Decreto 5123 de 2004, podendo ser suspenso em razão de restrição médica, decisão judicial ou justificativa da adoção da medida pelo respectivo dirigente de acordo com o paragrafo único do artigo 16 do Estatuto Geral das Guardas. 

Outra questão suscitada recentemente foi se as multas lavradas pelas Guardas Municipais teriam validade por seus agentes terem a função inicial de apenas proteger bens, serviços e instalações.

Nos municípios onde a Lei Municipal conferir a Guarda Municipal a função de também fiscalizar o transito é possível a aplicação de multas, desde que o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário 658670 que questionava as multas de trânsito lavradas por guardas em Belo Horizonte.

Por fim a pergunta talvez mais recorrente sobre os guardas nos diversos municípios brasileiros é se a Guarda Municipal tem Poder de Policia.

A resposta afirmativa decorre não so da Lei 13.022/2014 que instituiu o Estatuto Geral das Guardas, mas principalmente do caput do artigo 78 do Código Tributário Nacional conforme podemos observar: 

Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos

No julgado do Habeas Corpus nº 109.105 - SP (2008/0135091-2), já citado neste trabalho, o Ministro Relator Arnaldo Esteves Lima menciona a “limitação da atividade funcional dos guardas municipais trazidas pela Constituição Federal, dispositivo este que no entanto, não retira de seus membros a condição de agentes da autoridade, e como tal autorizados à prática de atos de defesa da sociedade”.

No contexto fático também é discutível como dissociar a função das Guardas Municipais da segurança publica, se no rol das suas atribuições se encontra a proteção de serviços públicos, como a segurança, saúde e educação por exemplo sem a limitação de liberdades individuais de eventuais transgressores que perturbem esses serviços.

A proteção aos bens municipais, sejam os de uso comum, como as praças e parques ou de uso especial como hospitais e escolas também não poderiam existir sem a segurança aos usuários desses logradouros.

Portanto, apesar de questionamentos sobre sua constitucionalidade, a Lei 13.022/2014, bem como a jurisprudência pátria trouxeram aos municípios brasileiros a possibilidade de colaboração com a segurança pública de maneira direta com a regulamentação da atuação das Guardas Municipais. 


REFERENCIAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4146148>. Acesso em 22 de Fev.2016

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Consulta de Jurisprudência. Disponível em. http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=guarda+municipal+pris%E3o+em+flagrante&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=11. Acesso em 15 de Jul.2015.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Consulta de Jurisprudência. Disponível em. http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=guarda+municipal+pris%E3o+em+flagrante&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=11. Acesso em 15 de Fev.2016

BRASIL. Presidência da República . Consulta de Legislação. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm> Acesso em 19 de Fev.2016.

BRASIL. Presidência da República . Consulta de Legislação. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13022.htm> Acesso em 21 de Fev.2016.

BRASIL. Presidência da República . Consulta de Legislação. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm> Acesso em 21 de Fev.2016

BRASIL. Presidência da República . Consulta de Legislação. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em 22 de Fev.2016

BRASIL. Presidência da República . Consulta de Legislação. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm> Acesso em 22 de Fev.2016

BRASIL. Presidência da República . Consulta de Legislação. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm> Acesso em 22 de Fev.2016

BRASIL. Presidência da República . Consulta de Legislação. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5123.htm> Acesso em 22 de Fev.2016


Marcelo Alves Batista dos Santos - Advogado, Servidor Público, Pós Graduado em Direito Público e Pós Graduando em Direito Trabalhista e Previdenciário pela Faculdade Paraíso do Ceará-FAP


Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)

SANTOS, Marcelo Alves Batista dos. Perguntas e respostas sobre os poderes das guardas municipais (Lei 13.022/2014). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4641, 16 mar. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/47076>. Acesso em: 4 abr. 2017.


Fonte: https://jus.com.br/artigos/47076/perguntas-e-respostas-sobre-os-guardas-municipais-e-o-estatuto-geral-das-guardas-lei-13-022-2014.


O racismo e a Administração Pública

Postado em Artigos Por Daniel Hilário Em 9 janeiro, 2017

Racismo na Administração Pública. Como combatê-lo? Quais são as penas e sanções para quem o pratica? Há ações afirmativas?

Racismo, por definição, é um conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre raças ou etnias. Ou seja, com base em preconcepções, reputa-se que um grupo de pessoas é superior a outro, de acordo, principalmente, com suas características fenotípicas, como tom de pele, formato do nariz, ou até a conformação de seu rosto.

Durante mais de dois terços de nossa breve história como nação, legitimou-se a dominação de uma raça sobre outra, o que resultou na escravização dos nativos, e, logo após, na do negro africano. Tal dominação era legitimada por nosso Direito legislado, à época, e só se tornou prática indevida, no campo normativo ao menos, após a publicação da Lei Imperial de nº 3.353, de 13 de maio de 1888, denominada Lei Áurea.

Claro está que a proibição da escravização de nativos e negros não acabou com o racismo no Brasil. Pelo contrário, grande parte da população brasileira continuou — e continua — a ser vista como de “segunda categoria”, devendo ser relegada, tão somente, a certas localidades nas metrópoles, a exemplo de rodoviárias, e não aeroportos.

No atual Direito Brasileiro, a prática do racismo é vedada pela lei nº 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. No caso específico da Administração Pública, essa lei prevê que aquele que impede ou obsta o acesso a alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta, ou indireta, bem como às concessionárias de serviços públicos, poderá ser condenado a pena de reclusão de dois a cinco anos. Tal pena também é cominada a quem obstar a promoção funcional por motivo de discriminação de raça, cor, etnia religião ou procedência nacional.

Soma-se a isso outra determinação presente neste mesmo diploma normativo (artigo 16), que é a perda do cargo ou função pública, se o autor do crime for um servidor público. Neste caso, na forma do artigo 18, esta perda não é automática, devendo ser declarada, motivadamente, em sentença.

Na esfera administrativa, a prática do racismo, por servidor público, contra subordinado ou contra um terceiro qualquer, pode atentar contra seus deveres de tratar as pessoas com urbanidade, de lealdade para com a instituição pública a que está vinculado, bem como o de manter conduta compatível com a moralidade administrativa, conforme determinado pela Lei 8.112/90, e reprisado em outros estatutos de servidores públicos estaduais e municipais. Em tese, a violação a tais deveres seria punível com advertência, porém, diante da gravidade da conduta, conforme disposto no artigo 129 da referida lei, pode ser aplicada punição mais grave, caso se justifique.

Além disso, a prática de racismo por servidor público pode, também, ser enquadrada como prática de improbidade administrativa. Isso porque, em tese, haveria violação aos princípios da Administração Pública e da República Federativa do Brasil, vez que se trata de conduta incompatível com a moralidade administrativa no trato para com terceiros, violando, assim, os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, boa-fé e lealdade para com as instituições, ou seja, a descrição fiel do caput do artigo 11 da Lei 8.429/92.

Em resumo, além da esfera criminal, em que o servidor público que pratica o crime de racismo pode ser condenado à pena de reclusão de dois a cinco anos, e sofrer a perda de seu cargo ou função, há também as sanções advindas do enquadramento no Estatuto dos Servidores Públicos e na Lei de Improbidade Administrativa, que são as seguintes: penas de advertência, suspensão, demissão a bem do serviço público ou cassação de aposentadoria, no caso estatutário; ou ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, no que toca à Lei de Improbidade.

Para além da esfera punitiva, há as ações afirmativas, que também visam o combate ao racismo. Dentre elas destacam-se a política das cotas raciais, que reserva vagas para determinadas raças (como negros e índios) em universidades públicas (a partir do ano 2000) e, mais recentemente, por meio da Lei 12.990/14, vagas oferecidas em concursos públicos no âmbito da Administração Pública Federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

Veja-se, inclusive, que, no que toca às cotas raciais nas universidades públicas, o Supremo Tribunal Federal já declarou que são constitucionais. Citamos como exemplo o caso do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 186, ajuizada pelo Partido Democratas, que declarou que o sistema de cotas da Universidade Federal de Brasília (UNB), em que uma banca analisa se o candidato é, ou não, negro, seria uma espécie de “Tribunal Racial”.

Naquele caso, o ministro relator, Ricardo Lewandowski, foi unanimemente seguido pelo plenário do STF, ao declarar que as cotas da UNB não se mostravam desproporcionais ou irrazoáveis. Indicou, na verdade, que a regra tem o objetivo de superar distorções sociais históricas, empregando meios marcados pela proporcionalidade e razoabilidade.

É importante ressaltar, por fim, as iniciativas que partem de dentro dos próprios órgãos públicos, no sentido da capacitação de seus servidores para lidar com a prática do racismo e combatê-la. Citamos o caso da prefeitura de Maceió(1) que, no ano de 2013, por meio da integração de suas secretarias e superintendências, realizou um ciclo de atividades para discussão acerca da abordagem e identificação do chamado racismo institucional. O objetivo, conforme dito pela Secretaria Executiva do gabinete do prefeito daquela capital, foi de capacitar o servidor que lida diretamente com o público, em especial com a população afrodescendente.

Diante do cenário apresentado, podemos concluir que, na Administração Pública brasileira há diversas ações direcionadas a coibir a abominável prática de racismo. Pode-se, evidentemente, discutir que estas são tardias, ou ainda, insuficientes, porém, já demonstram um caminho a ser seguido. Caminho este que precisa ser alargado, para minorar a grande desigualdade entre raças e camadas sociais existente no Brasil.

(1) Disponível em: <http://www.geledes.org.br/servidores-serao-capacitados-para-combater-racismo-no-servico-publico/#gs.ZlLTiH0>. Acesso em 02 de dezembro de 2016

*Por Daniel Hilário, especialista em Direito do Servidor e dos Candidatos a cargos públicos, é advogado na unidade de Belo Horizonte-MG do escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados.

Fonte: http://www.blogservidorlegal.com.br/o-racismo-e-administracao-publica/