quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Etapas da Vida: "Diálogo entre Bebês Gêmeos"

 

"Diálogo entre Bebês Gêmeos. 

No ventre de uma mulher grávida dois gêmeos dialogam:
- Você acredita em vida após o parto?
- Claro! Há de haver algo após o nascimento. Talvez estejamos aqui principalmente porque nós precisamos nos preparar para o que seremos mais tarde.
- Bobagem, não há vida após o nascimento. Afinal como seria essa vida?
- Eu não sei exatamente, mas certamente haverá mais luz do que aqui.Talvez caminhemos com nossos próprios pés e comeremos com a nossa boca.
- Isso é um absurdo! Caminhar é impossível. E comer com a boca? É totalmente ridículo! O cordão umbilical nos alimenta. Além disso, andar não faz sentido pois o cordão umbilical é muito curto.
- Sinto que há algo mais. Talvez seja apenas um pouco diferente do que estamos habituados a ter aqui.
- Mas ninguém nunca voltou de lá. O parto apenas encerra a vida. E afinal de contas, a vida é nada mais do que a angústia prolongada na escuridão.
- Bem, eu não sei exatamente como será depois do nascimento, mas com certeza veremos a mamãe, e ela cuidará de nós.
- Mamãe? Você acredita em mamãe? Se ela existe, onde ela está?
- Onde? Em tudo à nossa volta! Nela e através dela nós vivemos. Sem ela não existiríamos.
- Eu não acredito! Nunca vi nenhuma mamãe, por isso é claro que ela não existe.
- Bem, mas às vezes quando estamos em silêncio, posso ouvi-la cantando, ou senti-la afagando nosso mundo. Eu penso que após o parto, a vida real nos espera; e, no momento, estamos nos preparando para ela."
 
Fonte: Facebook/Cidadão do Mundo, postado em 30.08.2013.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Quem tem medo dos sindicatos? A redução salarial e a negociação coletiva, uma questão de pacto social – artigo de Rodrigo Carelli e Ana Cláudia Nascimento Gomes

Data: 14/04/2020

O pleno do STF pode nos remeter de volta ao Século XIX.

“Ninguém respeita a constituição, mas todos acreditam no futuro da nação.” Legião Urbana

A série dramática The English Game, disponível na Netflix, mostra os primórdios do futebol na Inglaterra dos anos 1870. Entretanto, a parte mais interessante da série não é a precariedade dos esquemas táticos, dos campos e mesmo da técnica futebolística da época, mas sim os conflitos decorrentes das relações de trabalho. O Darwen, além de ser um time de futebol representando uma cidade de mesmo nome, é uma equipe formada por operários de uma fábrica e bancada pelo empresário da usina de algodão. Toda a trama se desenvolve, inclusive a parte relativa ao futebol, em torno do conflito de classes, e, centralmente, das disputas fabris.

Essas querelas se desenvolvem em torno de crises financeiras pelas quais passam as empresas, que decidem, coletivamente, por meio de sua associação patronal, a redução salarial de todos os trabalhadores do setor, sem qualquer negociação com os operários. Inicialmente há uma redução de 5%, e logo se passa a outra de 10% dos salários. Essa redução é exigida pelos bancos como forma de garantia para a concessão de empréstimo às fábricas.

As reduções revoltam os trabalhadores, cujos salários mal davam para a sua sobrevivência, e eles iniciam movimento grevista e posteriormente passam a fazer rebeliões. Avisado do movimento paredista e dos possíveis prejuízos trazidos aos empresários, o presidente da associação patronal afirma que não iria se preocupar: “as barrigas dos trabalhadores estarão vazias antes que os nossos bolsos”. Os trabalhadores da fábrica de Warren encerram o movimento após o empresário aceitar a proposta coletiva dos operários de reduzir os salários em 5% ao invés de 10%, diminuindo, em contrapartida, a jornada dos trabalhadores.

Estamos falando de 1870, já passados assim quase 150 anos, mas ainda se exige sacrifício imediato dos trabalhadores nas crises. Agora mesmo estamos sofrendo uma gigantesca crise sanitária que traz consigo uma depressão mundial. A resposta inicial à pandemia difere largamente entre os países. As respostas seguintes a essa fase, que serão necessárias, ainda estão por serem desenhadas. A solução inicial e emergencial brasileira foi a redução conjugada de salário e tempo de trabalho, com complementação financeira parcial por parte do governo, o que resulta em queda na remuneração do trabalhador de 6,5% a 57,31% dos salários, resultando em uma derrubada da massa salarial do setor privado em até 27,7%. Para instrumentalizar essa possibilidade, a Medida Provisória nº 936 previu duas hipóteses: a negociada individualmente por trabalhadores e a ajustada coletivamente por meio dos sindicatos.

O Supremo Tribunal Federal foi convocado a decidir a questão na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 6363sobre a conformação constitucional da MP 936/2020, ajuizada pela Rede Sustentabilidade. Esta ADI que já conta com mais de uma dezena de amici curiae admitidos, em sua maioria, para a defesa das considerações aqui colocadas. O relator a quem foi distribuída a ação, Ministro Lewandowski, entendendo que a previsão de acordos individuais para redução salarial atinge diretamente a Constituição, concedeu liminar que conferiu interpretação conforme ao dispositivo legal, submetendo os acordos individuais a uma forma de chancela sindical. De imediato veio a gritaria do governo e dos empresários e seus defensores, no sentido de que a liminar concedida inviabilizaria o enfrentamento do desemprego causado pela desaceleração econômica. O presidente do Supremo Tribunal Federal logo se apressou a colocar a questão em pauta, de maneira urgente. As reportagens indicam uma pressão forte do empresariado e do governo e se silenciam em relação à posição dos trabalhadores. Aliás, é como se os trabalhadores e sua organização coletiva não existissem. Há até aqueles que, como os autoritários geralmente fazem, negam a possibilidade da existência de qualquer conflito coletivo de interesses durante a pandemia. O relator, em sede de embargos de declaração, afirmou que os acordos individuais já estão valendo, só perdendo eficácia se houver convenção ou acordo coletivo, em razão do princípio da norma mais favorável.

Em um momento como o atual, mais do que nunca, devemos nos ater aos princípios. Os princípios não são deixados de lado nem em guerra, quanto mais em um momento em que a sociedade deve se unir para a solução de um grave problema. Pelo contrário, as soluções pelo problema devem necessariamente passar pelos princípios de constituição da sociedade, sob pena de não subsistir o pacto que a une.

Entre os princípios que temos em nossa Constituição está o da negociação coletiva, presente em diversos dispositivos do art. 7º, 8º e 9º. Prevê-se que a solução coletiva negociada é a mais interessante para a solução dos conflitos trabalhistas em nossa comunidade política. Um desses dispositivos, que mais interessa no presente caso, é de uma clareza estelar: Art. 7º, VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.

Ou seja, somente pode-se reduzir o salário por meio de negociação coletiva. Simples assim. As razões são muitas: não há verdadeira negociação individual entre empregador e trabalhador, dada a falta de isonomia na relação, que vicia a autonomia na expressão da vontade. Além disso, há a assimetria informacional entre as partes negociantes do acordo. Quem negar a existência dessas assimetrias ou é cínico ou ignora como se dão as relações de trabalho na vida real, essa em que as pessoas vivem e morrem. Relativa isonomia somente é restabelecida pela negociação via representação de trabalhadores. É assim no Brasil e é assim no mundo, conforme as Convenções 87, 154 e 98,fundamentais da OIT, sendo a primeira vigente no Brasil por ser membro da OIT e a segunda por nós ratificada. Tais convenções, no mínimo (considerando a própria jurisprudência do STF), têm natureza supralegal; e, nessa medida, impõem vinculações aos atos emanados de quaisquer das esferas dos Poderes internos.

Assim, o Direito do Trabalho, que tem como pilar justamente a assimetria entre as partes, não pode conviver com acordos individuais, ainda mais especificamente em relação à redução de salários. Todas as normas anteriores à Constituição foram compreendidas como não recepcionadas pela quase totalidade da doutrina e pela jurisprudência das cortes trabalhistas.

É risível o argumento de que se pode reduzir a jornada e com isso o salário sem atingir a norma. Isso vai contra toda a doutrina trabalhista e o bom senso: estaria na mão do empresário a possibilidade de impor ao trabalhador, sempre a seu bel prazer e conveniência, a jornada e o salário que bem entendesse.

Não foi à toa que começamos este texto com uma história de 1870. O que se pretende, ao fim e ao cabo, é o retorno ao Século XIX, em que o confronto direto entre empregadores e trabalhadores ocorria individualmente e o mais forte vencia até o conflito se tornar aberto. Pretende-se implantar neste momento de pandemia o acordo individual para que se sobreponha sobre a lei e a negociação coletiva. É esse o objetivo, sejamos claros e diretos: o que se pretende é o fim do Direito do Trabalho como o conhecemos e a permanência somente de normas que defendam os interesses dos empresários, como abundam na chamada Reforma Trabalhista de 2017. O exemplo, que não é escondido por ninguém no governo, é a ditadura chilena da década de 1970 que tinha como objetivo – afinal conquistado – destruir a organização sindical naquele país, o que até hoje não se conseguiu restabelecer, deixando um cenário de caos na sociedade.

A decisão liminar de Lewandowski afronta a Constituição, mesmo dando interpretação em que resguarda de certa forma a prevalência da norma coletiva, em tentativa de solução salomônica, porque dá vigência aos acordos individuais em caso de silêncio sindical ou mesmo até que a negociação coletiva renda frutos. Ora, os sindicatos podem não querer negociar redução salarial, por motivos diversos, como por exemplo em setores que realmente não necessitam de qualquer medida de auxílio no presente momento, como o bancário. A letra da Constituição é clara e a Organização Internacional do Trabalho já afirmou e reafirmou que o melhor caminho para o combate à pandemia do Coronavírus é a negociação coletiva via entidades sindicais. É o diálogo social a solução civilizada e democrática que o momento existe.

Coloca-se em defesa da norma de exceção do governo federal que a urgência no combate à pandemia tornaria difícil a busca de sindicatos nesta hora para a realização da negociação coletiva. Ora, mas quem coloca essa justificativa critica a decisão de Lewandowski, que é clara em dizer que no silêncio dos sindicatos prevalece o acordo. Além disso, parece óbvio que os sindicatos não iriam invalidar acordos de pequenas empresas em dificuldade, e sim embarreirar acordos espúrios feitos em aproveitamento da situação. Assim, percebe-se que o interesse vai muito além do que dinamizar a solução na emergência, e sim abrir a brecha da exceção do acordo individual no direito do trabalho.

Nem se venha dizer que as intenções foram as melhores, ou seja, manter os empregos, e que a redução salarial é um mal menor, pois temos sempre que lembrar: a solução escolhida pela Medida Provisória não era a única que poderia ter sido tomada. Países escolheram outras com maior proteção aos trabalhadores, inclusive trazendo proibição temporária de dispensa de trabalhadores e auxílio econômico direto às empresas. A solução urgente brasileira já é criticável do ponto de vista de escolha, colocando fardo sobre os trabalhadores, e a forma escolhida é a pior possível e agride frontalmente nosso pacto constitucional. Até o Banco Mundial, em seu último relatório, propõe que a carga dos ônus trazidos pela pandemia seja distribuída entre governos, bancos e empresas, e não seja colocada no ombro dos trabalhadores.

O argumento da excepcionalidade do “estado de calamidade pública”, como reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6/2020 para efeitos orçamentários; ou, da ocorrência de um “estado de necessidade econômica” também não sustenta, sob qualquer ótica, a eventual constitucionalidade “excepcional” ou “temporária” da Medida Provisória em questão.

A uma, considerando a expressa literalidade do preceito constitucional constante do art. 7º, na medida em que a norma sequer autoriza, inclusive pelas vias regulares da chamada “reserva legal” (lei em sentido formal e material), eventual flexibilização da garantia da “irredutibilidade do salário”. Longe se pudesse cogitar, então, que uma Medida Provisória, despida de controle parlamentar, possa adentrar em lugar que jamais fora reservado à própria lei material; mas, única e exclusivamente, à “contratação coletiva”, pela participação democrática (e, portanto, pelo controle) das entidades sindicais profissionais.

A Constituição reconhece que, em se tratando da subsistência dos trabalhadores, do ganha-pão destes que representa o salário, apenas na pactuação coletiva é legítimo discutir, em verdadeiro plano de igualdade, as condições de eventual redução desse direito pela sua natureza alimentar; e, assim, ainda que haja proporcional redução de jornada (art. 7º, XIII). Não é o tempo de disponibilidade ao empregador que está em causa ao fim e ao cabo (e, por essa ótica, de “liberalização” do trabalhador para outras atividades), mas, sim, a própria capacidade de sustento daqueles que integram a respectiva categoria profissional. E a urgência almejada das soluções consensuais não pode jamais servir de pretexto – seja na esfera do Direito Coletivo do Trabalho, seja em outros ramos do Direito em que o princípio da autocomposição tem prevalência –, num Estado Democrático de Direito, para, pura e simplesmente, aniquilar a participação dos entes envolvidos, forçando o seu silêncio e inércia.

A duas porque, mesmo se reconhecendo a imprevisibilidade da eclosão da presente pandemia há poucos meses, não se há falar em suspensão de direitos individuais ou coletivos, em termos genéricos e apriorísticos, como pretende a dita MP, por “motivos de força maior” ou “pela razão dos fatos”. Ora, os fatos não têm supremacia sobre as disposições constitucionais; mas, sim, o contrário. Há muito deveríamos estar longe da época em que os “fins justificam os meios”.

Aliás, do ponto de vista da dogmática do Direito Constitucional, sabe-se que nem mesmo em situações práticas de recurso ao “sistema constitucional de crises” os direitos fundamentais podem ser colocados à parte pelos poderes da República, ainda que em brevíssimo e temporário momento de “letargia jurídica”. E, quando se alude aqui ao “sistema constitucional de crises”, considerando a Constituição de 1988, estamos a referenciar situações institucionais e sociais potencialmente ainda mais sérias e graves do que a atualmente vivenciada pelos efeitos econômicos do COVID-19 (vide arts. 136 a 141, CR/88); situações estas que sequer foram densificadas por lei (pós 1988): o Estado de Defesa e o Estado de Sítio.

Mesmo na rara hipótese de um Estado de Sítio decretado com amparo no art. 137, inciso I, da Constituição, ainda assim, por mais escolástica que possa ser essa nossa prospecção, apenas para efeitos argumentativos, veja-se, não há nenhuma brecha para afastamento, ainda que precário, da garantia constitucional da “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo” (ou de qualquer outro direito individual ou coletivo constante dos arts. 7º, 8º e 9º; ou ainda, da própria democracia participativa base da concertação social). Basta ler os direitos fundamentais estritamente inseridos nos incisos do art. 139 da Carta.

Em suma, mesmo em situações constitucionais com maior grau de potência restritiva e invasiva na esfera individual e social, não reconhece a Constituição nenhum espaço a soluções arbitrárias ou contra constitucionem. Enfim, “não existe estado de necessidade constitucional fora dos quadrantes da Constituição”.

Estamos, portanto, diante de um direito/garantia/preceito constitucional – o da “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”, frise-se – que não possibilita interpretação autorizativa de validação de acolhimento de lei (em sentido formal, no caso, a MP 936/2020) a substituir o espaço assegurado às entidades sindicais, anulando, dessa forma, a liberdade sindical e o direito de contratação coletiva dessas entidades. São eles, os sindicatos profissionais, em especial, aqueles que têm legitimidade constitucional para debater, resistir e consentir coletivamente qualquer redução de salário que se possa razoavelmente defender em épocas de crises sanitárias e/ou econômicas.

Acompanharemos com olhos atentos o julgamento pelo Plenário da Suprema Corte, que acontecerá nos próximos dias. Esperemos que o STF não se sensibilize por argumentos econômicos ad terrorem, imponha a função contramajoritária dos direitos fundamentais; e, como guardião da Constituição, defenda a plena eficácia normativa do preceito que assegura a “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo” como baluarte da liberdade sindical e do direito de negociação coletiva; direito este que é intransferível em termos individuais, sob pena de sua própria desnaturalização, como inerente à autonomia sindical. Em termos populares, torçamos para que o STF não jogue fora “a água da bacia, com criança e tudo” e preserve a nossa Constituição Cidadã!

Se assim não o fizer o STF – e validar fissura para ingresso da reserva legal onde ela foi constitucionalmente impedida de adentrar: na redução de salário dos trabalhadores – poderá estar firmando precedente caótico e alienado dos parâmetros convencionais da OIT e, com isto, alijando ainda mais o Brasil da comunidade internacional, em termos laborais. Acaso seja este o caminho a ser percorrido pela Corte, novos distúrbios coletivos como aqueles do Século XIX poderão a vir eclodir. Afinal, mesmo calada a negociação coletiva, não estará resolvido o conflito em seu âmago, pois o pacto social representado pela Constituição terá sido rompido.

Talvez seja mesmo adequado o momento para assistirmos as séries do Século XIX e os filmes como O Germinal,aproveitando o tempo desse confinamento. O passado tem muito a nos ensinar e não precisamos revivê-lo para sabermos o quanto ele foi dolorido.


Ana Cláudia Nascimento Gomes – Professora de Direito do Trabalho e de Direito Constitucional da PUC-MG e Procuradora do Trabalho.
Rodrigo de Lacerda Carelli – Professor de Direito do Trabalho da UFRJ e Procurador do Trabalho.
Fonte: <https://rodrigocarelli.org/2020/04/14/quem-tem-medo-dos-sindicatos-a-reducao-salarial-e-a-negociacao-coletiva-uma-questao-de-pacto-social-artigo-de-rodrigo-carelli-e-ana-claudia-nascimento-gomes/>

quarta-feira, 27 de março de 2019

Anísio Teixeira e a democratização da escola brasileira

– por Ingrid Matuoka*
Quem sonhou, pela primeira vez, com uma educação pública para todos, gratuita, laica, e de qualidade? No Brasil, essa pessoa foi Anísio Teixeira (1900-1971), que além de imaginar, também concretizou esses ideais, sendo responsável pela transformação da educação brasileira no século XX.
Anísio Teixeira defendia a criação de uma rede de ensino que fosse da Educação Infantil à universidade, e atendesse a todos, independentemente de raça, condição financeira ou credo, e olhasse para os interesses da comunidade em que estava inserida.
O intuito era fazer com que a escola deixasse de ser feita pela elite, voltada para seus iguais, e pudesse dar início a uma sociedade mais justa e igualitária, uma vez que para ele a educação não era só produto de mudanças, mas sua geradora.
Para tanto, nessa escola deveria haver educação integral, substituindo instrução e transmissão de conhecimento por construção coletiva dos saberes e ensino dialógico. Além disso, defendia a necessidade de estimular o senso crítico, analítico e reflexivo, além do preparo para a cidadania.
“Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública”, disse Anísio Teixeira em seu livro Educação para a Democracia, de 1936.
Manifesto dos Pioneiros da Nova Escola e a Escola Parque
A base das propostas de educação de Anísio era o escolanovismo, ou a Escola Nova, um movimento europeu e estadunidense que propunha renovar a educação opondo-se aos métodos tradicionais de ensino e tornando a escola um instrumento de combate às desigualdades sociais.
Em 1932, Anísio assina o Manifesto do Pioneiros da Educação Nova ao lado de diversos intelectuais. O documento versa sobre a universalização da escola pública, laica e gratuita, e a necessidade de tornar a educação uma prioridade nacional. Este movimento influenciou uma nova geração de educadores, como Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes.
Já em 1961, Anísio Teixeira criou uma escola-modelo segundo seus ideais em Salvador (BA), o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, também conhecido como Escola Parque. A iniciativa projetou Anísio internacionalmente e até hoje persiste como referência.
Na Escola Parque, as crianças têm acesso a uma educação integral. Paralelamente ao ensino dos conteúdos curriculares, elas aprendem dança, desenho e pintura, escultura, teatro, cinema, esportes, música, bem como outras atividades de preparação para a cidadania e para o mundo do trabalho. Além disso, promove alimentação saudável e atendimento médico-odontológico.
Foi também nesta escola que ele implementou o método de alfabetização “Casinha Feliz”, da educadora Iracema Meireles, que ensina as crianças a ler por meio de suas próprias atividades lúdicas.
A trajetória de Anísio Teixeira
Aos 24 anos, Anísio foi nomeado Inspetor Geral do Ensino da Bahia. Quatro anos depois, inicia uma pós-graduação na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, onde estabeleceu relações próximas com o filósofo John Dewey.
Em 1931, já no Rio de Janeiro, assumiu a Secretaria de Educação e Cultura, onde permaneceu até 1935. Foi neste período que o educador criou a rede municipal de ensino, que garantiria acesso a todos. Também participou da criação da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Brasília (UnB), da qual também foi reitor, e deixou seu posto para Darcy Ribeiro.
Em 1946, Anísio assume o cargo de Conselheiro de Ensino Superior da UNESCO, e no ano seguinte, é nomeado secretário de Educação e Saúde da Bahia. Em 1961, funda a Escola Parque.
Fonte: https://www.revistaprosaversoearte.com/anisio-teixeira-e-a-democratizacao-da-escola-brasileira/

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Será o fim? O último barco a vapor do mundo definha e apodrece em Minas...


Jorge de Souza
14/02/2019 09h00



Em 1913 o presidente do Brasil era o Marechal Hermes da Fonseca e a princesa Isabel ainda estava viva, bem como Santos Dumont, que mal havia acabado de inventar o avião. A Europa estava à beira de uma grande guerra mundial (a Primeira, não a Segunda, que só começaria 30 anos depois), e o naufrágio do Titanic, meses antes, ainda estava fresco nas manchetes dos jornais. 106 anos atrás, os dirigíveis ainda voavam. E este barco já navegava.

O vapor Benjamim Guimarães, último barco movido a vapor do mundo, construído em 1913 no estado americano do Mississipi, e que, desde 1920, virou o mais ilustre habitante da cidade mineira de Pirapora, nas margens do Rio São Francisco, é uma testemunha viva da História. Mas está em vias de morrer também.

Há cinco anos, desde que parou de navegar por determinação da Marinha, o Benjamim Guimarães, mais antigo barco do Brasil, definha no porto de Pirapora, no Velho Chico, onde sempre foi a principal atração turística e histórica da cidade.

(foto: Danilo Verpa/Folhapress)

"Ele não tem mais nenhuma condição de navegar", lamenta o vice-prefeito da cidade, Orlando Pereira. "Seu casco está totalmente comprometido e as madeiras, podres. Precisa de uma reforma urgente, mas o governo do estado, que deveria ter liberado verba para isso, não o fez. E nem sei se irá fazer", acrescenta.

Esta é a segunda vez que o velho vapor se vê abandonado e entregue à própria sorte. A primeira foi em 1986, quando ficou duas décadas apodrecendo ao relento, até que a prefeitura de Pirapora conseguiu evitar o pior e o restaurou a tempo. Em seguida, ele foi transformado em "Patrimônio Histórico" – o primeiro barco brasileiro a receber tal honraria. Mas foi justamente aí que começaram os problemas — porque, sendo "Patrimônio Histórico", qualquer intervenção no barco depende de intermináveis projetos e procedimentos burocráticos, sem contar que a verba para isso precisa vir do governo de Minas Gerais, que, como se sabe, está quebrado.

"O antigo governador havia prometido recursos para o Iepha – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais coordenar a restauração do barco, mas deixou o cargo sem fazer isso", diz Orlando. "E nem se tivesse esse dinheiro o nosso município poderia bancar a reforma, porque, como o barco foi tombado, só o Iepha pode cuidar dele".

Para os ribeirinhos do Rio São Francisco no trecho entre Minas Gerais e Bahia, o Benjamim Guimarães é muito mais que um simples barco – é uma espécie de membro da família, porque, um dia, todos os seus antecedentes viajaram ou dependeram dele. No passado, o "Vapor", como o barco carinhosamente é chamado até hoje, era o único elo da região com o resto do mundo. "Sair ou chegar, só quando o Benjamim aportar", era a máxima do lugar.


Em Pirapora, não há casa que não tenha uma foto do Benjamim Guimarães na parede e o orgulho pelo barco está estampado até no brasão da cidade, que ostenta uma âncora, embora fique em pleno sertão de Minas Gerais – que, como também se sabe, não tem mar. "O Benjamim é um barco com alma", dizem os moradores mais antigos da cidade.

Até 2014, ele ainda fazia passeios curtos nos arredores de Pirapora, navegando da maneira original, ou seja, queimando lenha nas caldeiras em vez de combustível nos tanques, ao contrário dos demais "vapores" que restaram no mundo (no próprio Rio Mississipi, inclusive), todos já convertidos para motores a diesel.

Quando em movimento, seu timão exigia a força de dois homens, os comandos de acelerar ou reduzir a velocidade eram passados ao operador da casa de máquinas por meio de uma engenhoca pré-histórica chamada "telégrafo" (que tinha esse nome porque tocava um sino todas as vezes que um ponteiro apontava a nova ordem), e o caldeirista precisa ficar alimentando a fornalha o tempo todo, com pesadas toras de madeira. Era um trabalho duro e braçal. Mas ninguém reclamava. Pelo contrário, toda a tripulação sentia imenso orgulho em fazê-lo, porque sabiam que eram os últimos guardiões de uma arte prestes a sumir do mapa.


Na água, só se ouvia o "rom-rom-rom" da grande pá de madeira girando lentamente sobre o rio e o "shhhh" do vapor saindo pelos orifícios do casco, feito uma Maria-Fumaça náutica. A velocidade não passava dos 15 km/h – mas quem haveria de ter pressa numa viagem de volta no tempo?. Na água, o Benjamim Guimarães parecia respirar. Mas, agora, ele não respira mais.

Seu estado foi ficando tão precário que a Capitania dos Portos do Rio São Francisco proibiu o transporte de passageiros, cinco anos atrás. Desde então, o vapor está parado na margem do rio, com a ferrugem corroendo seu casco e o capim do barranco praticamente envolvendo o barco. "É uma lástima", resume o vice-prefeito de Pirapora. "Não há outro igual no mundo".

Sob o ponto de vista histórico, o velho vapor de Minas Gerais só encontra paralelo em pouquíssimas embarcações mundo afora, mas todas já foram parar em museus.

A única exceção é um antigo navio alemão da Primeira Guerra Mundial que, mesmo com mais de 100 anos de uso, ainda navega normalmente em um grande lago no interior da África, levando e trazendo passageiros. É o MV Liemba, que chegou a afundar, mas foi resgatado e, no passado, também foi movido a vapor, como o Benjamim Guimarães. Clique aqui para conhecer esta outra interessante história.

Fotos: Jorge de Souza e Danilo Verpa/Folhapress


Fonte: https://historiasdomar.blogosfera.uol.com.br/2019/02/14/sera-o-fim-o-ultimo-barco-a-vapor-do-mundo-definha-e-apodrece-em-minas/

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

PRESENTE



"O presente é a única realidade, a única existência, o único movimento que existe" (Osho)

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Everybody Hurts - R.E.M.

Don't let yourself go
'Cause everybody cries
And everybody hurts, sometimes




" Viver é acalentar sonhos e esperanças,
fazendo da fé a nossa inspiração maior.
É buscar nas pequenas coisas,
um grande motivo para ser feliz."

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Perseguição funcional: Pena de advertência sem direito de defesa do trabalhador não tem valor legal

Por Jomar Martins
7 de agosto de 2016, 12h33


O administrador público não pode aplicar nem uma singela pena de advertência ao servidor sem, antes, dar-lhe o direito de explicação. Afinal, será sobre esse conteúdo de defesa que ele decidirá se mantém ou revoga a penalidade. Por desconsiderar essa exigência administrativa básica, a 2ª Turma Recursal da Fazenda Pública, dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul, condenou a Prefeitura de Uruguaiana a pagar R$ 10 mil a um motorista que sofreu assédio moral do superior hierárquico. Ao contrário do juízo de origem, o colegiado viu abuso de direito na conduta do chefe do servidor, que lhe aplicou as advertências sem ouvi-lo e ainda deixou-o sem trabalhar, de ‘‘castigo’’, por meses, causando-lhe um quadro de depressão.

O autor contou na inicial que estava em fase de estágio probatório quando recebeu duas advertências seguidas de seu chefe, sem direito de defesa. Nas duas, por ter se ausentado do trabalho sem justificativa. Embora tenha justificado as ausências, inclusive levando documento que atestou sua visita ao posto de saúde, essas explicações não foram acostadas nas advertências escritas. Seis meses depois, ele levou mais duas advertências — por abandono de veículo na via pública, desobediência e por se negar a cumprir diligências determinadas pela chefia. Nesta última, admitiu, de fato, que se negara a fazer serviços fora do horário de expediente, ante à proibição de fazer horas extras sem expressa autorização do Poder Executivo.

A juíza Ana Beatriz Rosito de Almeida Fagundes, do Juizado Especial da Fazenda Pública de Uruguaiana, não viu ilegalidade nos atos administrativos da municipalidade, já que fundamentados no Estatuto dos Servidores do Município. Ressaltou que o exame judicial deve se ater somente à forma do procedimento levado a cabo pela administração. Ou seja, o Poder Judiciário não pode enfrentar as questões de mérito que permeiam os atos administrativos, em função do princípio da separação dos poderes.

Conforme a julgadora, o juiz só pode intervir nas decisões da administração pública se os atos ferirem a legalidade e/ou princípios que incidem sobre o procedimento, como o princípio do contraditório e da ampla defesa. ‘‘Por fim, a prova testemunhal colhida nos autos, não corrobora a tese da parte autora, no sentido de que foi vítima de constrangimento ou perseguição por parte do secretário municipal da Indústria e Comércio. As testemunhas afirmaram desconhecer os motivos pelos quais o autor foi advertido, bem como de que nunca presenciaram qualquer ato de represália por parte do secretário contra o autor’’, justificou na sentença.

Princípios violados
O relator do Recurso Inominado na 2ª Turma Recursal da Fazenda Pública, juiz Mauro Caum Gonçalves, disse que o referido estatuto não autoriza a aplicação da penalidade sem dar chance de defesa ao servidor. A justificativa, ao menos, deveria ser apreciada, para provocar uma resposta da administração pública, a cerca da sua manutenção ou cancelamento. A seu ver, a ausência desses cuidados viola os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, constitucionalmente assegurados, já que a sua reiteração poderia ocasionar a aplicação de penalidade mais grave.

Gonçalves também viu abuso nas avaliações do autor, que passava por estágio probatório e temia não ser efetivado na função. Ele apontou a ‘‘total incongruência’’ entre os depoimentos prestados pelas testemunhas e as informações lançadas nas avaliações pelo seu chefe. Tal constatação confirmou a afirmação de que o servidor vinha sofrendo constantes perseguições e retaliações do superior hierárquico por se negar a trabalhar em jornadas extraordinárias. Na visão do relator, não há como interpretar essa negativa como indisciplina ou afronta à ordem superior, na medida em que é direito do servidor negar-se a praticar ordem manifestamente ilegal.

‘‘Dessa forma, tenho que o acervo probatório colacionado aos autos demonstra, sem sombra de dúvidas, que o autor foi alvo de assédio moral perpetrado pelo seu superior hierárquico, na medida em que foi submetido à conduta abusiva, de forma sistemática, reiterada e por um período prolongado de tempo, ficando exposto a situações humilhantes em seu local de trabalho em face das perseguições e retaliações sofridas’’, registrou em seu voto, acolhido por maioria no colegiado.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2016-ago-07/pena-advertencia-defesa-trabalhador-nao-valor-legal