Abriu a porta e viu o amigo que há tanto não via.
Estranhou apenas que ele, amigo, viesse acompanhado por um cão. Cão não muito
grande, mas bastante forte, de raça indefinida, com toda efusão. “Quanto
tempo!”. O cão aproveitou as saudações, se embarafustou casa adentro e logo o
barulho na cozinha demonstrava que ele tinha quebrado alguma coisa. O dono da
casa encompridou um pouco as orelhas, o amigo visitante fez um ar de que a
coisa não era com ele. “Ora, veja você, a última vez que nos vimos foi...” “Não,
foi depois, na...” “E você, casou também?” O cão passou pela sala, o tempo
passou pela conversa, o cão entrou pelo quarto e novo barulho de coisa
quebrada. Houve um sorriso amarelo por parte do dono da casa, mas perfeita
indiferença por parte do visitante. “Quem morreu definitivamente foi o tio...
Você se lembra dele?” “Lembro, ora, era o que mais... não?” O cão saltou sobre
um móvel, derrubou o abajur, logo trepou com as patas sujas no sofá ( o tempo
passando) e deixou lá as marcas digitais de sua animalidade. Os dois amigos
tensos, agora preferiam não tomar conhecimento do dogue. E, por fim, o
visitante se foi. Se despediu, efusivo como chegara, e se foi. Mas ainda indo,
quando o dono da casa perguntou: “Não vai levar o seu cão?” “Cão? Cão? Cão? Ah,
não! Não é meu, não. Quando entrei, ele entrou naturalmente comigo e eu pensei
que fosse seu. Não é seu, não?”
MORAL: Quando notamos certos defeitos
nos amigos, devemos sempre ter uma conversa esclarecedora.
Millôr Fernandes, in Fábulas Fabulosas.
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