Postado em Artigos Por Pedro Henrique Fernandes Rodrigues Em 29 agosto, 2014
A existência do instituto da coisa julgada também em via administrativa gerou por muito tempo grandes discussões, no entanto, a partir de uma análise dos ditames trazidos pela doutrina e jurisprudência pátria, bem como da Constituição Federal de 1988, entende-se que a coisa julgada, em seu aspecto técnico, não existe na esfera do direito administrativo, mas tão somente em via judicial.
De acordo com o jurista Hely Lopes Meirelles, a coisa julgada administrativa seria apenas uma preclusão de efeitos internos, não possuindo assim o mesmo alcance da coisa julgada judicial, uma vez que o ato jurisdicional da Administração não deixa de ser um simples ato administrativo decisório, sem a força conclusiva do ato jurisdicional do Poder Judiciário.[1]
Para o doutrinador José dos Santos Carvalho Filho, a existência da coisa julgada administrativa apenas significa que certa questão foi resolvida por definitivo administrativamente, porém, tal caso pode ser levado à análise do judiciário.[2]
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, a chamada coisa julgada administrativa implica em efeitos definitivos somente para a própria Administração, a qual fica impedida de retratar-se administrativamente ou questionar seus próprios atos administrativos em via judicial.[3]
Coisa julgada administrativa significa a imutabilidade das decisões proferidas neste âmbito para a Administração Pública, implicando assim na impossibilidade de se interpor qualquer novo recurso administrativo, ressalvadas apenas as possibilidades de anulação de seus atos pelo próprio ente público, quando eivados de vícios, conforme a Súmula 473/STF.
Entretanto, esta imutabilidade não implica na impossibilidade das demandas oriundas da via administrativa serem levadas à análise e ao exame do Poder Judiciário, motivo pelo qual não se considera a existência do instituto da coisa julgada em via administrativa, uma vez que ausente a definitividade da decisão proferida, ao contrário do que se observa nas decisões judiciais transitadas em julgado, pautadas pela imperatividade e efetiva imutabilidade.
Quando no exercício de sua função administrativa, a Administração Pública é parte em uma relação, exercendo assim parcialidade quanto aos interesses discutidos, não podendo ao mesmo tempo ser interessada e juiz da causa.
Por este motivo, as decisões administrativas são passíveis de apreciação pelo judiciário, caso causarem lesão ou ameaça a direito subjetivo individual ou coletivo, independentemente de prévia existência de processo administrativo, uma vez que, quando do exercício da função jurisdicional, o Estado é pautado pela imparcialidade.
A chamada coisa julgada administrativa não impede a análise da demanda pelo Poder Judiciário, pois o mecanismo de controle adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, qual seja o sistema de jurisdição una, prevê a possibilidade de se levar qualquer lide ao exame jurisdicional, até mesmo os casos definitivamente julgados administrativamente, não vinculando o magistrado a qualquer decisão administrativa, ainda que proferida em última instância.
Ademais, a inexistência de coisa julgada em via administrativa corrobora-se pela possibilidade do chamado pedido de revisão administrativa, o qual não é propriamente um recurso, mas um requerimento, a partir de fatos novos ou circunstâncias de relevância, que visa desconstituir o ato administrativo deliberado, proferido em processo administrativo sancionador já findo, diante de suposta ocorrência de ilegalidade na decisão administrativa, inaugurando-se assim um novo processo administrativo com a possibilidade de reformatio in pejus.
Vale lembrar que somente o administrado ou a coletividade interessada podem pleitear a análise dos atos administrativos pelo poder judiciário, uma vez que a Administração Pública detém poder de autotutela, o qual lhe dispõe a possibilidade de rever, de ofício, seus atos eivados de ilegalidade ou ainda casos em que entenda pelo não atendimento do interesse público.
O mencionado poder de autotutela da administração é corroborado pela já mencionada Súmula 473 do STF, a qual dispõe:
Administração Pública – Anulação ou Revogação dos Seus Próprios Atos
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Verifica-se pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal que a própria Administração Pública, de ofício, pode anular ou revogar seus atos, mas desde já resguardando a possibilidade dos interessados levar o exame da causa para a via judicial.
Dessa forma, enquanto as decisões proferidas e transitadas em julgado nos processos judiciais significam a ultima ratio processual na resolução dessas lides, com a devida imutabilidade e imperatividade que não permitem nova discussão da demanda – salvo os casos de Ações Rescisória – as decisões administrativas, ainda que proferidas em última instância, não impedem nova análise jurisdicional da matéria, sendo assegurado aos interessados o direito de petição, a fim de recorrer ao Poder Judiciário, mesmo esgotado o regular processo administrativo.
Por Pedro Rodrigues
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. “Direito administrativo brasileiro”. São Paulo: Editora Malheiros, p. 625
[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo – 14ª Edição. 2005, Ed. Lumen Juris.
[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. “Curso de Direito Administrativo”. São Paulo: Editora Malheiros, 17ª edição, p. 421
Fonte: http://www.blogservidorlegal.com.br/coisa-julgada-administrativa-e-o-pedido-de-revisao/
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