terça-feira, 24 de setembro de 2013

Vida depois da vida: transcrição

Todas as coisas na vida mudam, algumas lentamente e outras, com rapidez. Não sentimos tanto as mudanças graduais, mas as repentinas vêm como um grande choque.

A certeza da morte deveria ter maiores influências sobre a conduta diária do homem. Isso não ocorre, talvez, porque o homem não tem uma resposta para a simples pergunta: Por que eu existo?

A vida tem sentido após a morte? Devemos entender que tanto a vida como a morte fazem parte de um plano divinamente estabelecido e que não estamos aqui como consequência de um mero acidente. Todos os seres criados tem uma missão especial e única para cumprir neste mundo. A nossa perda total não é a morte e sim, não cumprir o propósito pelo qual existimos.

Segundo George Santayana, o homem que se desempenhou de suas obrigações, a morte é tão natural e bem vinda quanto o sono.

A morte pode vir de súbito, mas, como o nascimento, é uma porta aberta para uma vida nova e superior.

'Abdu'l-Bahá, filho de Bahá'u'lláh, nos explica:
Imaginar que o espírito pereça ao morrer o corpo, é como imaginar que o pássaro morra ao quebrar-se-lhe a gaiola. Nosso corpo é apenas a gaiola, enquanto o espírito é o pássaro.
 Bahá'u'lláh (1817-1892), o Fundador da Fé Bahá'í, disse:
A morte concede a dádiva da Vida Eterna. Por que hás de ficar triste, com coração pesaroso? Essa separação é temporária. Encontrarás o teu filho no Reino de Deus e atingirás a união sempiterna. A associação física é efêmera, mas a Celestial é imperecível.
Sempre que te lembrares da união eterna e infindável, acharás conforto.
Sabe tu que a alma do homem está elevada acima de todas as enfermidades do corpo ou da mente e independentes delas.
O mundo do além é tão diferente deste mundo, como este é do mundo da criança ainda no ventre materno.
A alma, após sua separação do corpo, continuará a progredir até que atinja a presença de Deus... mostrará tal ascendência e revelará tamanha influência, que força alguma na terra pode igualar.
[...]
Para vivermos na Terra, passamos nove meses no ventre da nossa mãe, desenvolvendo o corpo. Da mesma forma, Deus nos dá a oportunidade desta vida física tão passageira, com o propósito de prepararmos para a Vida Eterna. Ao passarmos do mundo material ao espiritual (e a isto chamam de "morte"), deixamos as riquezas, o diploma, a posição social, e só levamos as qualidades espirituais (amor, veracidade, paciência, pureza...).
A relação entre espírito e corpo é semelhante à do sol com o espelho... O espírito exerce supremo domínio  sobre o corpo; a sua força e influência tornam-se visíveis nele, semelhantes às graças do sol refletidas no espelho.
As enfermidades do corpo não o atingem; ainda que o corpo se torne débil, perca mãos, pés e língua, ou seja privado dos sentidos, audição ou vista, nada disso terá efeito algum sobre o espírito. É claro, pois é indiscutível, que o espírito difere do corpo, e sua duração é independente da duração deste. Na verdade, o espírito exerce supremo domínio sobre o corpo; sua força e sua influência tornam-se visíveis nele, semelhantes às graças do sol refletidas no espelho. O espelho, porém, ao cobrir-se de pó, ou quebrar-se, deixa de refletir os raios do sol. ( 'Abdu'l-Bahá ).

Fonte: Folheto Fé Bahá'í. Vida após a Vida: Citações e Orações das Sagradas Escrituras da Fé Bahá'í. Brasília, DF, Brasil.


quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Epílogos... bem atual

O que falta nesta cidade? ........ verdade.
O que mais por sua desonra? ......Honra.
Falta mais que se lhe ponha? ......Vergonha.

O demo a viver se exponha.
Por mais que a fama a exalta.
Numa cidade onde falta.
Verdade, honra, vergonha.


Quem a pôs neste socrócio?..........Negócio
Quem causa tal perdição?.............Ambição
E o maior desta loucura?...............Usura.

Notável desventurade um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura. 

 
E que justiça a resguarda? ......bastarda.
É grátis, distribuída? ..............vendida.
Que tem, que a todos assusta? ...injusta.

Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça,
Que anda a justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta?

O açúcar já se acabou? ....baixou.
E o dinheiro se extinguiu? ... subiu.
Logo já convalesceu? ..... morreu.

À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece,
Cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, subiu, morreu.

A Câmara não acode? ......não pode.
Pois não tem todo poder? ....não quer.
É que o governo a convence? .... não vence.

Quem haverá que tal pense,
Que uma Câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence?


(Gregório de Matos Guerra)

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Diálogo entre Bebês Gêmeos


No ventre de uma mulher grávida dois gêmeos dialogam:
- Você acredita em vida após o parto?
- Claro! Há de haver algo após o nascimento. Talvez estejamos aqui principalmente porque nós precisamos nos preparar para o que seremos mais tarde.
- Bobagem, não há vida após o nascimento. Afinal como seria essa vida?
- Eu não sei exatamente, mas certamente haverá mais luz do que aqui.Talvez caminhemos com nossos próprios pés e comeremos com a nossa boca.
- Isso é um absurdo! Caminhar é impossível. E comer com a boca? É totalmente ridículo! O cordão umbilical nos alimenta. Além disso, andar não faz sentido pois o cordão umbilical é muito curto.
- Sinto que há algo mais. Talvez seja apenas um pouco diferente do que estamos habituados a ter aqui.
- Mas ninguém nunca voltou de lá. O parto apenas encerra a vida. E afinal de contas, a vida é nada mais do que a angústia prolongada na escuridão.
- Bem, eu não sei exatamente como será depois do nascimento, mas com certeza veremos a mamãe, e ela cuidará de nós.
- Mamãe? Você acredita em mamãe? Se ela existe, onde ela está?
- Onde? Em tudo à nossa volta! Nela e através dela nós vivemos. Sem ela não existiríamos.
- Eu não acredito! Nunca vi nenhuma mamãe, por isso é claro que ela não existe.
- Bem, mas às vezes quando estamos em silêncio, posso ouvi-la cantando, ou senti-la afagando nosso mundo. Eu penso que após o parto, a vida real nos espera; e, no momento, estamos nos preparando para ela.

Fonte: < https://www.facebook.com/blogcidadaodomundo>. Acesso em: 17 set. 2013.


segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Disparada

Jair Rodrigues canta 'Disparada', de Geraldo Vandré e Téo de Barros.

Prepare o seu coração
Prás coisas
Que eu vou contar
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
E posso não lhe agradar...
Aprendi a dizer não
Ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo
A morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar
Eu vivo prá consertar...
Na boiada já fui boi
Mas um dia me montei
Não por um motivo meu
Ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse
Porém por necessidade
Do dono de uma boiada
Cujo vaqueiro morreu...
Boiadeiro muito tempo
Laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente
Pela vida segurei
Seguia como num sonho
E boiadeiro era um rei...
Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E nos sonhos
Que fui sonhando
As visões se clareando
As visões se clareando
Até que um dia acordei...
Então não pude seguir
Valente em lugar tenente
E dono de gado e gente
Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente...
Se você não concordar
Não posso me desculpar
Não canto prá enganar
Vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado
Vou cantar noutro lugar
Na boiada já fui boi
Boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém
Que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse
Por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu
Querer ir mais longe
Do que eu...
Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei
Agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte
Num reino que não tem rei

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Marta em Pirapora na saga de Seara Vermelha: apontamentos de leitura



Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues

Na saga de Jorge Amado, no livro Seara Vermelha, a família de Marta é recebida pelo Dr. Epaminondas, Inspetor Médico do Posto de Imigração do Estado de São Paulo. O doutor Epaminondas estava substituindo Dr. Diógenes, que conseguira sua transferência para a cidade de Santos. O médico era agente sanitário do governo paulista e estava em Pirapora para inspecionar os imigrantes que aguardavam o passe para São Paulo. Os imigrantes saudáveis, sem impaludismo, ganhavam o passe e viajavam por conta do governo paulista; porém, os doentes, para viajar, como não tinham meios para arcar com as despesas de viagem, ficavam em Pirapora na esperança de cura e de ‘passe’ que lhes garantisse seguir viagem.

Em Seara Vermelha Jorge Amado narra a história da família de Marta, uma jovem moldada pelo trabalho árduo e que assume responsabilidade na família, desde menina. Marta atravessou a caatinga e o sertão com sua família. Chegaram em Pirapora com a esperança de pegarem o trem para São Paulo, porém é alertada pelo Dr. Epaminondas que todos os membros de sua família poderiam partir, menos seu pai que estava tuberculoso. Ela então percebe que o médico estava tentando seduzi-la. Resolveu entregar-se ao médico para conseguir autorização para o pai e os outros membros de sua família viajar, exceto ela. É sempre interessante revisitar Jorge Amado e ler a saga de Marta que virou ‘puta’ em Pirapora, pelas mãos do médico Epaminondas.

O doutor Epaminondas a cobiça. Fica a sós com ela. A faz despir-se e a apalpa. Mais tarde, interessado no ‘prêmio’, antes de fazer-lhe a proposta, empenhou-se em ‘ajudar’ a ela e à sua família. Ela compreendia e a princípio quisera fugir, largar, tudo, contar a Jucundina (sua mãe). Mas refletiu e viu que então nada mais restaria aos seus, nem a casa onde viver, nem aqueles quarenta mil-réis que o médico ia lhe pagar por mês e mais o que ele dava a Tonho (seu sobrinho) para fazer recados. E, pior que tudo, desapareceria qualquer possibilidade do pai viajar e, se o pai não fosse, como iriam eles se arranjar em São Paulo? (...) Marta refletiu sobre tudo isso. Percebia que era impossível escapar ao médico. (...) Resolveu, então, quase friamente, entregar-se contra a autorização para o pai viajar e os passes para todos. Exceto ela, naturalmente. (AMADO, p. 183-184).
Tonho entrou em casa correndo. (...). Disse que que viu o doutor beijando Marta. Jucundina o levou dali, que Jerônimo não ouvisse. E o fez contar a cena toda, recomendado-lhe, depois silêncio. - Eu tava chegando, ia pedir um tostão à tia, o doutor estava agarrado com ela, beijando na boca... Saí correndo, eles não me viu. Quando Marta apareceu naquela noite, tinha um ar cansando, andava como se sentisse dores, mas sorria. Na mão trazia a papeleta que dizia ser Jerônimo homem de perfeita saúde, apto para embarcar. Jucundina pensava em conversar com ela, saber daquela história dos beijos, mas, quando viu a papeleta  compreendeu o que tinha acontecido e estremeceu, o coração partido de dor. Marta percebeu que a mãe compreendera e ficaram as duas silenciosas enquanto os homens comentavam. (...) - Se seu pai chegar a saber é capaz de matar o doutor... E bota tu pra fora... (Ibid, p.185-186).

Contudo, o pai de Marta tomou conhecimento do caso por meio de um dos imigrantes que não conseguira o passe: - Vosmecê não vale nada... Dero a honra da menina pelo atestado pro velho. Jerônimo teve um acesso de raiva quando soube. Se Jucundina não estivesse perto dele era capaz de matar a filha. Caiu em cima dela com um pedaço de tábua: - Puxa daqui, puta sem-vergonha! Desgraçada! Desgraçada! Eu, um homem velho, e essa desgraçada sujando minha velhice... Marta saiu ferida no rosto, correndo pela rua. (Ibid).


Marta não pode ficar muitos dias em casa de Epaminondas. O caso era muito comentado na repartição e mesmo fora dela (...) e corria que ele pusera casa para a cabrocha. Por outro lado, seu entusiasmo passara. Ela era de todo ignorante das coisas sexuais e Epaminondas acostumara-se às mulheres da vida, sábias de todos os vícios. Chegara uma rameira nova de Januária, uma que viera da Bahia com um sargento e o largara para fazer a vida; Epaminondas andava de olho nela. E Marta tomou o caminho do cabaré e da rua de prostitutas. Como era nova por ali, apareceu uma freguesia grande. Dias depois estava doente, mas custou a sabê-lo, nada entendia daquilo. Foi Epaminondas quem a tratou (herdara aquela clientela de Diógenes), mas tão distante e frio que nem parecia o homem ansioso de quinze dias passados. Marta emagrecera e agora pintava a cara e os lábios, fizera dois vestidos e comprara uns sapatos. (ibid, p. 187).


E era ela quem sustentava a família. Jerônimo e Tonho pediam esmolas mas os mendigos eram muitos. Continuavam a viver sob a árvore, na promiscuidade de dezenas de outros imigrantes, todos à espera do trem ou do passe. Jerônimo jamais voltara a falar na filha, mas cedo percebeu que o dinheiro com que Jucundina comprava farinha e feijão, café e carne-seca provinha dela, dos homens que dormiam com ela. Naquela viagem nada o ferira tanto, nada o magoara de tal maneira. Amava aquela filha e mesmo agora, quando a repudiara, era a sua imagem que levava no coração. Quando percebeu que o dinheiro era fornecido por Marta, teve uma cena violenta com Jucundina. Mas depois deixou de protestar. iria deixar que todos morressem de fome? A comida amargava em sua boca, estava com o peito cada vez mais cavado, a tosse aumentando. Via quando Jucundina saía para encontrar-se com a filha. E quando voltava, com mantimentos, os olhos vermelhos de chorar. Não dizia nada, aquilo tudo o matava mais rapidamente. (Ibid, p. 187-188).

No dia da viagem para São Paulo, Marta foi até a estação para despedir-se de sua família. Porém, Jerônimo, seu pai, não deixou que sua mãe e os outros se aproximassem dela. O trem resfolegava. A máquina começou a andar, vagarosa ainda. Aumentou a velocidade, Gregório saltara. Jucundina levantou-se então, afastou a mão de Jerônimo que a segurava, jogou-se para a janela. Jerônimo levantou-se também para obrigá-la a sentar-se. Mas em vez de fazê-lo debruçou-se sobre ela a tempo de ver ainda, no canto da estação, de vestido vermelho, a figura de Marta acenando com a mão. O trem apitava na curva. (Ibid, p. 190).

Triste, muito triste, a história de Marta: estuprada, violentada, humilhada por um médico sem escrúpulos, que queria somente saciar os desejos de sua carne. Quantas 'Martas' existiram e ainda existem para satisfazer os desejos de um homem por necessidade financeira? Quantas 'Martas' ainda precisam se prostituir para garantir o sustento de famílias? A história de Marta se confunde com muitas histórias contadas e denunciadas por esse Brasil afora. 

Seara Vermelha é um livro que busca uma representação da realidade, que trata das injustiças sociais e nos leva a refletir sobre a realidade que nos cerca.
  
AMADO, Jorge. Seara Vermelha. 37 ed. Rio de Janeiro, Record 1981.

domingo, 8 de setembro de 2013

O Farol

The Lighthouse - Uma emocionante animação que ganhou 27 prêmios internacionais





"Lighthouse" ("O Farol"), do diretor taiwanês Po Chou Chi, trata da relação entre pai e filho de forma bem delicada. Os pais são o nosso farol, nossa referência. 

O vídeo mostra o crescimento de um filho em meio à rede da vida e seus desafios. O importante é manter os laços de uma convivência saudável.

Essa belíssima animação me fez lembrar o poema de Gibran Khalil Gibran:

Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

A cidade de Pirapora na saga de Seara Vermelha: apontamentos de leitura

Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues

O Livro Seara Vermelha, escrito em 1946, pelo escritor Jorge Amado, foca seu enredo na saga de uma família de onze retirantes, expulsos das terras nordestinas onde moravam, que tomam o rumo de São Paulo. Nessa viagem de muita dor, a família atravessa a caatinga a pé, em meio à fome, muitas aflições e morte.  Dos onze retirantes, apenas quatro chegaram a uma fazenda de café em São Paulo. Porém, antes da chegada a São Paulo, os retirantes passavam por PIRAPORA - Minas Gerais, para serem examinados por um médico que lhes permitissem, ou melhor, lhes garantissem o ‘passe’ para seguir viagem. Os retirantes e outros imigrantes desembarcavam do vapor em Pirapora. 

Amado (1981) conta que "alguns ficavam para sempre em Pirapora. Dormiam na margem do rio, pelos matos, construíam choupanas no outro lado da ponte, roubavam e até assaltavam". No entanto, o escritor narra que não era fácil, "a não ser pelos pedidos gritados numa voz suplicante, distinguir os mendigos dos demais flagelados. A cidade lembrava uma visão apocalíptica, com aquelas centenas de homens rotos e esfomeados, os que esperavam o trem, os que ainda não haviam perdido a esperança de conseguir a papeleta de saúde, os que voltavam de São Paulo, os que faziam fila em frente ao posto de imigração. (AMADO, 1981, p. 176). 

Parece-me que o posto de imigração situava-se no Albergue Municipal, local onde as pessoas embarcavam no trem de ferro para São Paulo.  Essa passagem é narrada em belíssimos trechos retirados do livro de Jorge Amado intitulado Seara vermelha.

O pior era que estava correndo a notícia, espalhada ninguém sabe como nem saída de que boca, que em Pirapora não permitiam o embarque de doentes. Que os impaludados não podiam seguir viagem para São Paulo, o governo não pagava passagem. Se quisessem ir teriam que pagar o bilhete de trem e não levariam nenhuma garantia de trabalho. Que havia um médico do governo a examinar cada um e só os que conseguissem passar no exame, que era rigoroso, que tinham direito à passagem. (AMADO, p.143).

O desânimo invadiu o navio e era ainda mais concreto que o mau cheiro e os gemidos e as lágrimas e a febre. Vinham de percorrer os caminhos da fome e da doença, tão próximos da fatura será que não poderiam dar o último passo e alcançá-la, prendê-la nas ávidas mãos cansadas? (AMADO, p.143).

- Mato um... – dizia o mulato que fizera as compras em Juazeiro e que estava caído de impaludismo. (AMADO, p.143).

Jucundina ouviu a notícia, pouco se comoveu. Agora tinha fé nas palavras do beato, que ouvira repetir. O mundo ia acabar, estava perto do fim. Seria bom se acabasse logo, antes de eles chegarem a Pirapora. Assim nenhum mal podia mais acontecer. (AMADO, p.143-144).

O rio rugia na cascata, um barulho de ensurdecer. Ficaram vendo os passageiros de primeira desembarcarem. O caixeiro-viajante impaludado desceu carregado, diretamente para a casa de saúde. Na terceira todos se tinham posto de pé, mesmo os que ainda tinham febre, nenhum queria aparecer como doente, era o medo de não ganhar a passagem para São Paulo. Pediam notícia a toda gente que aparecia a bordo, como deviam fazer para conseguir os passes, aonde se deviam dirigir, que tal era o médico que fazia os exames, quando saíam os trens que levavam imigrantes. (AMADO, p.144).

Estavam novamente animados e, se bem ali fossem se separar para diferentes pensões, não faziam despedidas, esperando todos encontrarem-se no primeiro trem que saísse para São Paulo. (AMADO, p.144).

O mulato das compras, que era conversador e bem falante, conseguia informações do carregador. Ficou sabendo onde poderiam se hospedar. Havia umas pensões baratas, nas ruas de canto, que aceitavam flagelados, desde que o pagamento fosse adiantado. Mas soube outras notícias também. Que havia na cidade de Pirapora mais de trezentos imigrantes à espera de condução para São Paulo. Isso sem falar nos doentes, nos que não tinham conseguido o visto do médico. Esses não se contavam mais, tinham virado mendigos pelas ruas, ou trabalhavam em paga de comida nas fazendas da vizinhança. Sempre na esperança de conseguir o visto, renovando o exame médico de quando em quando. (AMADO, p.144).

- Vocês passam aqui uns dois meses quando nada...

Finalmente desembarcaram. Levavam suas trouxas na cabeça ou nos braços. Ficaram parados na ribanceira onde as canoas os deixavam, sem saber para onde se dirigirem. Carregadores mais caritativos indicavam os caminhos. (AMADO, p.144).

O sol era vermelho e queimava. Uma poeira cor de sangue subia pelas ruas, enchia os pulmões. A cidade de Pirapora dormia a sesta quando eles chegaram. Apenas os mendigos enchiam as ruas, dezenas e dezenas, pediam esmolas aos raros passantes. E aquela poeira densa que avermelhava as coisas e dava cor carregada ao cuspo. Adiante, a cascata rugia sob uma ponte abandonada. Eles foram marchando, aos grupos, no caminho das pensões baratas. (AMADO, p.144-145).

Lembro-me que o Albergue de Pirapora situava-se na confluência da Avenida Comandante San Thiago Dantas e Avenida Mascarenhas, com entrada pela Rua Pará e Av. Governador Valadares. Era uma rua muito estreita, um beco, por onde passava a linha do trem. Por muitas e muitas vezes passei por aquele beco. Hoje, parece-me que não existem nem o beco e muito menos o albergue. Fecharam as duas entradas de acesso ao Albergue. Pelo que percebo existe no local um viveiro de mudas cujo acesso se faz pela Avenida Comandante San Thiago Dantas. Interessante é que o Albergue municipal faz parte da história de Pirapora e da saga de Seara Vermelha. Segundo Heidegger: “a tradição é o esquecimento das origens”. Precisamos pensar no resgate desse local para podermos contar a  história.

Referência:

AMADO, Jorge. Seara Vermelha. 37 ed. Rio de Janeiro, Record 1981.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Um instante no tempo


One Moment In Time

Whitney Houston

Each day I live
I want to be a day to give the best of me
I'm only one, but not alone
My finest day is yet unknown
I broke my heart for ev'ry gain
To taste the sweet, I face the pain
I rise and fall, yet through it all this much remains
I want 
One moment in time
When I'm more than I thought I could be
When all of my dreams are a heart beat away
And the answers are all up to me
Give me one moment in time
When I'm racing with destiny
and in that one moment of time
I will feel, I will feel eternity 
I lived to be the very best
I want it all, no time for less
I've laid the plans
Now lay the chance here in my hands
Give me 
You're a winner for a lifetime
If you seize that one moment in time
Make it shine
Give me
i will be, i will be free