O funcionalismo público sempre foi apontado por muitos como
uma opção de trabalho segura, já que os servidores têm direito a
estabilidade no emprego, sendo demitidos, segundo o artigo 41 da
Constituição Federal, apenas em casos de sentença judicial por processo
administrativo ou por insuficiência de desempenho (cujas regras ainda
aguardam regulamentação). O fato recente é que está para ser votado na
Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP) 257/2016, que
propõe uma reforma fiscal que pode suspender a realização de concursos
públicos, congelar salários e criar até um programa de demissão
voluntária de servidores públicos. O pacote pressupõe ainda o
alongamento da dívida pública dos estados com a União. O prazo era de
meados de 2027 e foi adiado por mais 20 anos.
O serviço público engloba três tipos de contratação. Há os empregados
públicos, que estão sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), tendo os mesmos direitos e deveres de um funcionário de uma
empresa privada. Existem ainda os cargos comissionados, que são aqueles
contratados sem concurso público. Por fim, os efetivos, que tem direito a
estabilidade após três anos de trabalho. Antes disso, eles são
considerados em estágio probatório, estando sujeitos à exoneração de
ofício caso haja reprovação nesse período.
Contudo, desde a Lei Complementar 101/2000, a denominada Lei de
Responsabilidade Fiscal, essa estabilidade pode ser ameaçada. Isso
porque os governos federais, estaduais e municipais não podem gastar
mais do que arrecadam, sendo obrigados a fazer os cortes e ajustes
necessários para manter as contas equilibradas. O artigo 22 prevê que,
se a despesa com pessoal exceder a 95% do limite – que é de 50% da
arrecadação na União e 60% nos estados e municípios – fica vedada a
concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração.
Vedam-se ainda a criação de cargo, emprego ou função; a alteração de
estrutura de carreira que implique aumento de despesa; o provimento de
cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título,
ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento; e a
contratação de hora extra, salvo no caso de situações previstas na lei
de diretrizes orçamentárias.
Esse Plano de Auxílio aos Estados e Municípios, apresentado pelo
governo federal no último dia 21 de março, prevê três etapas, sendo
inicialmente a restrição à ampliação do quadro, o não reajuste de
salários e corte de gastos discricionários, administrativos e de cargos
comissionados. Caso essas medidas não sejam suficientes, será preciso
partir para a segunda etapa, que pressupõe a proibição de aumentos
nominais de salários, concessões de novos subsídios e desonerações,
assim como mais cortes nos gastos já mencionados. Se ainda assim o
desequilíbrio permanecer, a terceira etapa prevê a vedação de reajustes
reais no salário mínimo, corte de 30% nos benefícios dos servidores (que
são alimentação, saúde, transporte e auxílio creche), além de um
programa de demissão voluntária ou licença temporária não remunerada.
Até o momento o governo não abordou a demissão de servidores, tomando
medidas anteriores para conter a crise. Mas, sabe-se que se essas
medidas não forem suficientes, corre-se o risco de invocação indevida da
Lei de Responsabilidade Fiscal para justificar demissões “não
voluntárias”. Nesse caso, o servidor deve ficar atento. Antes de falar
em demissão de servidores efetivos, prefeituras, estados, Distrito
Federal e União, deverão exonerar – pelo menos – 20% dos comissionados. E
aqui cabe interpretar que, se 20% dos comissionados não forem
suficientes, deve-se avançar para todos os comissionados e
terceirizados, antes de se falar em cargo efetivo submetido ao devido
concurso. É difícil imaginar um corte ampliado de comissionados e
terceirizados que exija o avanço para a demissão de servidores efetivos
não estáveis e, sucessivamente, estáveis.
Em suma, se aparentemente o servidor público efetivo pode sim vir a
ser demitido em função de uma crise, deve-se observar atentamente se
todas as outras medidas anteriores foram integralmente esgotadas e
realmente não surtiram efeito. Os governos, tanto federal, quanto
estaduais e municipais – onde normalmente concentram-se os maiores
desequilíbrios orçamentários – precisam atentar-se para a adoção de
medidas radicais em outros setores, sem apelar para gerar um vácuo no
serviço público que suplicará preenchimento logo adiante. Lembremos que
não foi a folha de pagamento dos servidores que causou a crise atual e
certamente não será ela que irá resolver. Medidas que desestimulam os
direitos sociais nunca são saudáveis. Ao servidor, cabe analisar cada
passo do Projeto de Lei Complementar (PLP) 257/2016 e seus
desdobramentos, evitando a culpa indevida pelo desequilíbrio das contas
do Estado.
Rudi Cassel é advogado e sócio-fundador do escritório Cassel
Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados, especializado em direito do
servidor público.
Fonte: < http://www.blogservidorlegal.com.br/crise-servidor-publico-pode-ser-demitido/>