terça-feira, 9 de abril de 2013

A Escola conservadora e os excluídos do interior: apontamentos de leitura

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 Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues


Pierre Bourdieu: nascido numa família campesina, em 1951 ingressou na Faculdade de Letras, em Paris, na Escola Normal Superior. Em 1954 graduou-se em Filosofia, assumindo a função de professor em Moulins. Após prestar serviço militar na Argélia, assumiu, em 1958 o cargo de professor assistente na Faculdade de Letras em Argel, quando iniciou sua pesquisa acerca da sociedade cabila. Em 1960 tornou-se assistente de Raymond Aron, na Faculdade de Letras de Paris e principiou seus estudos acerca do celibato na região de Béarn. Ainda em 1960 integrou-se ao Centro de Sociologia Europeia, do qual tornou-se secretário geral em 1962.[1] 

Desenvolveu ao longo das décadas de 60 a 80 farta obra, contribuindo significativamente para a formação do pensamento sociológico do século XX. Na décadas de 70 estendeu sua atividade docente a importantes instituições estrangeiras, como as universidades de Harvard e Chicago e o Instituto Max Planck de Berlim. Em 1982 ministrou sua aula inaugural ( Lições de Aula) no Collège de France (instituição que três anos mais tarde se associa ao Centro de Sociologia Européia), propondo uma "Sociologia da Sociologia", constituída de um olhar crítico sobre a formação do sociólogo como censor e detentor de um discurso de verdade sobre o mundo social. Neste sentindo, esta aula inaugural encontra-se com a ministrada por Barthes (A aula) e Foucault (A Ordem do Discurso), privilegiando a discussão acerca do saber acadêmico. É consagrado Doutor 'honoris causa' das universidades Livre de Berlim (1989), Johann-Wolfgang-Goethe de Frankfurt (1996) e Atenas (1996). Morreu em Paris, em 23 de janeiro de 2002, depois de finalizar um curso acerca de sua própria produção acadêmica, que serviu de fundamento ao seu último livro, Esboço de auto-análise.[2] 

Na agenda teórica proposta à Teoria Sociológica contemporânea, alguns elementos merecem destaque: a releitura dos clássicos, a construção de conceitos e a postura crítica do intelectual diante de uma tomada de posicionamento político, elementos estes amalgamados em sua discussão sociológica. Ao compor, por exemplo a ideia de campo, Bourdieu dialoga com a ideia de esferas, proposta por Max Weber e, ainda, com o conceito de classe social de Marx.[3]

Os textos A Escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura  e Os excluídos do interior fazem parte do livro Escritos de Educação de Pierre Bourdieu.

O primeiro capítulo, escrito por Bourdieu, trata do sistema escolar como fator de conservação social que legitima as desigualdades sociais e sanciona a herança cultural e o dom social tratado como dom natural. O autor descreve os mecanismos objetivos que determinam a eliminação contínua dos menos favorecidos diante da escola. Afirma que: 
[...]cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas, um certo capital cultural e um certo ethos sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. (BOURDIEU, 1998, p. 41-42).
Bourdieu mostra a influência do capital cultural familiar, por meio de um conjunto de variáveis, no êxito escolar da criança em diversos níveis de ensino. Afirma, baseado em investigações, que as famílias não desejam o impossível. Os desejos são definidos pelas aspirações e exigências das condições objetivas, tudo é determinado pelo destino. A necessidade não é exteriorizada, é interiorizada, implícita, limitada. (Ibid., p. 47).

As mesmas condições que definem as atitudes dos pais dominam as escolhas importantes da carreira escolar, regem também a atitude das crianças diante dessas mesmas escolhas e, consequentemente, toda sua atitude em relação à escola. (Ibid., p. 47-48).

Qual é, então, a responsabilidade da escola na perpetuação das desigualdades sociais? A escola protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta dos privilégios. (Ibid., p.53). Assim, o autor explica como a escola trata os educandos em seus direitos e deveres, como acontece o seu funcionamento e a sua função de conservadora social.

Bourdieu explicita a ação da escola e a prática cultural, questionando as técnicas de ação cultural direta e os empreendimentos de educação popular na perpetuação das desigualdades de acesso frente à escola e aos bens culturais.

O segundo texto, Os excluídos do interior, escrito por Pierre Bourdieu e Patrick Champagne, trata do mal-estar nos liceus parisienses. Os autores discorrem sobre as dificuldades e ansiedades sentidas pelos alunos das famílias culturalmente desfavorecidas frente à instituição escolar.

Os textos analisam sociologicamente o caráter reprodutor, dualista e classista da educação. Fazem-nos refletir sobre a função social da escola hoje. Como as desigualdades são reproduzidas no interior da escola? Quem são os excluídos? Quais são os mecanismos objetivos que determinam e contribuem para a eliminação dos menos favorecidos? O desejo dos pais e descendentes tem realmente influência no êxito escolar? Será realmente que as famílias menos favorecidas cultural e socialmente não desejam o impossível, não sonham, não têm utopia? O sistema escolar é realmente um fator de conservação social?

Os textos nos fazem refletir sobre todas essas questões, sobre a nossa prática como professor e sobre a nossa participação direta ou indireta na manutenção ou transformação da realidade exposta pelos autores e dirige a nossa atenção para os desafios postos em nosso caminho. 

Referência:

BOURDIEU, P. Escritos de Educação. M. Alice Nogueira e Afranio Catani (Orgs.). Petrópolis: Vozes, 1998, caps. II e XI.


[2] Ibid., acesso em 25 jun. 2007.
[3] Ibid., acesso em 25 jun. 2007.



sexta-feira, 5 de abril de 2013

Os rios são profundos como a alma


"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens."
 João Guimarães Rosa

terça-feira, 2 de abril de 2013

Pobreza, desigualdade, exclusão e cidadania: apontamentos de leitura



Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues

Os conceitos de pobreza, desigualdade, exclusão e cidadania foram construídos e reconstruídos ao longo do tempo de nossa história. São conceitos relevantes e carecem de entendimento sobre suas diversas manifestações, para ações eficazes por parte de agentes públicos ocupados em compreender a situação de pessoas que se encontram na situação de miséria.

Partindo desse pressuposto, entende-se que Pobreza é denominada uma “condição de indivíduos ou grupos” (SANTOS, p.18), quer dizer, é considerada uma situação de privação de meios adequados de subsistência, determinada pela falta de acesso ao saneamento, à habitação, à educação, à saúde e até mesmo à liberdade. Nesse sentido, pobreza = privação de necessidades.

Por sua vez, a desigualdade é uma propriedade da distribuição da riqueza em uma dada população ou sociedade. (SANTOS, 2009).  Dessa forma, compreende-se que a grande questão não é a pobreza, é a distribuição de renda, é a desigualdade social. A sociedade gera riqueza que é apropriada apenas por alguns segmentos sociais. Os indivíduos atingidos pela situação de privação são os excluídos que não têm acesso aos bens garantidos pelo mercado e pelo Estado. Dessa forma, desigualdade = distribuição de renda.

Na concepção de Santos (2009, p. 18), “a pobreza é uma condição que afeta os indivíduos – ou seja, os membros de uma população –, a desigualdade refere-se ao conjunto população em sua totalidade”.

O termo exclusão no contexto da dinâmica social, do mundo capitalista contemporâneo, refere-se precisamente às barreiras impostas a alguns indivíduos no seu caminho de acesso a benefícios garantidos pelo Estado, ou mesmo que podem ser adquiridos através do mercado. Estes indivíduos, na prática, não pertencem à comunidade constituída por este Estado-Sociedade-Mercado. (SANTOS, 2009). O conjunto da população, ou melhor, os segmentos sociais, não contemplados pela distribuição de renda são enxotados, empurrados para as margens da sociedade. A partir daí esses segmentos passam a compor a grande massa dos excluídos. Infere-se que nem o Estado e muito menos o mercado possibilitam um mínimo de qualidade de vida aos excluídos. Nessa ótica, exclusão = restrição.

Já a Cidadania é o oposto da exclusão. Implica sentimento de pertencimento e lealdade. Cidadão é aquele que tem acesso aos bens de direito, acesso a uma renda adequada e desfruta de um padrão de vida comum. “Um indivíduo que desfruta da condição de cidadão é aquele que goza dos direitos consignados pelo Estado, bem como da possibilidade de acesso a uma renda adequada, que lhe permita desfrutar de um padrão de vida comum a seus concidadãos”. (SANTOS, 2009). Quando existe ausência de acesso aos bens necessários para que se tenha uma vida digna, pode-se dizer que os excluídos tem sua cidadania negada. Nessa perspectiva, cidadania = direitos.

Sendo assim, pode-se dizer que a desigualdade gera a pobreza que gera a exclusão. Entende-se, assim, que a sociedade está estruturada a partir da desigualdade.

Até a década de 1970 esses problemas eram considerados como dependentes do crescimento econômico. Porém, a realidade demonstrava outras faces. No caso brasileiro, o foco deslocou-se da pobreza para o problema da desigualdade, acreditado como mecanismo de reprodução da pobreza. (SANTOS, 2009). Quer dizer que a desigualdade social é um dos principais mecanismos de produção e reprodução da pobreza e que o problema no Brasil não está localizado na geração de renda.

Contudo, no Brasil ainda utiliza-se a renda como critério de pobreza, porque se acredita que esse critério ainda é útil. As razões para a utilização desse fundamento seriam: a) a economia é fortemente monetizada; b) o Brasil dispõe de dados estatísticos suficientes para se estimar a renda mínima necessária à sobrevivência de indivíduos e famílias; c) também, o País dispõe de dados estatísticos suficientes para se identificar quem não alcança a renda mínima. (ROCHA, 2008, apud, SANTOS, 2009).

Ademais, usar a renda para definir o pobre pode até ser um recurso necessário, mas não expressa as razões pelas quais a pessoa é pobre, ainda que pode-se identificar quem realmente precisa de ajuda do Estado. Na concepção de Santos (2009), o critério de renda se apresenta como uma limitação por não contabilizar os eventuais ganhos de bem-estar de uma população, obtidos por meio de investimentos públicos em serviços essenciais, tais como saneamento, educação e saúde.

Nesse sentido, a renda por si só não expressa a qualidade de vida de uma sociedade, considerando que existem outras necessidades a serem atendidas. Entende-se, com isso, que a persistência da pobreza ou o aprisionamento de determinados grupos sociais nesta situação se dá em decorrência das enormes desigualdades de renda e de acesso a serviços existentes entre grupos de uma dada sociedade. (SANTOS, 2009, grifo nosso).

Ainda, Santos (2009) considera que o Brasil não é um país pobre. Mas é tão desigual que, mesmo apresentando importante evolução do seu PIB (Produto Interno Bruto) e significativas melhorias das condições de vida de alguns setores, ainda abriga uma enorme quantidade de pobres, que, por sua vez, apresentam baixíssimas perspectivas de mobilidade social ascendente.

Essa mobilidade social depende na visão de Santos (2009), da ocorrência de altas taxas de crescimento econômico, acima de 5% ao ano, durante algum tempo. De outra forma, estima-se que a “implementação de políticas públicas de redistribuição de renda seria um meio mais efetivo de redução do número de pobres do que um crescimento econômico sustentado que ocorresse a taxas consideradas plausíveis, na economia contemporânea (3% ao ano, por exemplo)". (SANTOS, 2009, p. 21-22, grifo nosso).

A discussão das ideias e teorias sobre esses conceitos começa no século XIX com o capitalismo. O capitalismo já nasce com controvérsias, em outras palavras, capaz de gerar riqueza e pobreza. No momento em que a sociedade se ordenou e se realizou, os problemas sociais surgiram. Naquele momento, as pessoas começaram a sair do campo e foram para a cidade.

Acredita-se que a reflexão sobre esses conceitos pode auxiliar governos a criar políticas sociais mais eficazes e efetivas para enfrentar a pobreza.


Referência:

SANTOS, Maria Paula Gomes dos. Pobreza, desigualdade, exclusão e cidadania: correlações, interseções e oposições. In: _________O Estado e os problemas contemporâneos. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração / UFSC; [Brasília] : CAPES: UAB, 2009, p. 16-25.