terça-feira, 26 de março de 2013

Somos um mutirão de todos_apontamentos de leitura


Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues


Guimarães Rosa tratava a vida como “um mutirão de todos, por todos remexida e temperada". A vida nós a fazemos com o mutirão de gente, de pessoas, de indivíduos.  Assim somos nós na concepção bakhtiniana, somos uma mistura de todos, para sermos nós. “Tornamo-nos nós mesmos através dos outros” (BAKHTIN apud FONTANA, 2003, p. 61), remexidos, temperados por um mutirão de pessoas, de vozes e de sentidos. Percebemos-nos e nos fazemos no contato com o outro, nas relações sociais.

No texto Da dialética dos espelhos à autoconsciência, Fontana trata do tema autoconsciência na visão de Bakhtin. Tudo o que é humano tem origem nas relações sociais. “A consciência de nossa própria individualidade organiza-se e desenvolve-se em nossas relações sociais.” (2003, p.61). Tornamos-nos aquilo que somos no contexto das relações sociais. É na relação com o outro que eu começo a me constituir como indivíduo singular. Na relação com o outro vou me tornando social. Não é o outro concreto, mas muitos outros. Por outro lado, no texto A Urdidura do tecido, Lima (2005) recorre a Bakhtin como seu interlocutor para entender o homem, ser constituído histórica e coletivamente nas práticas sociais.

“Ao nascer, cada um de nós mergulha na vida social, na história, e vive, ao longo de sua existência, distintos papéis e lugares sociais, carregados de significados – estáveis e emergentes – que nos chegam pelo outro.” (FONTANA, 2003, p. 62, grifo nosso). “A obra de Bakhtin gira em torno do eixo do eu e do outro [...] O que vemos é determinado pelo lugar de onde viemos.” (LIMA, 2005, p.28). Cada um de nós mergulhou no mundo para ser o que é hoje. Sou consciente de mim por meio do outro. Desperto-me para o mundo exterior por meio da “consciência alheia”. Somos mediados por “parceiros sociais” por meio das relações sociais.

O emergir da consciência passa por distintos papéis que desempenhamos e por lugares sociais que ocupamos em nossas relações sociais. Para entendermos o sujeito e os lugares que ocupa, precisamos olhá-lo com o olhar de multiplicidade. Esse olhar passa pelo contexto histórico e cultural carregado de significados.

A singularidade do sujeito vai se construindo social e historicamente.  “Elaboramos o mundo e nos elaboramos no mundo pela palavra do outro, da qual inicialmente nos apropriamos.” (FONTANA, 2003, p. 63).

“A compreensão não pode manifestar-se senão através de um material semiótico [...] A compreensão é uma resposta a um signo por meio de signos [...] Fora de sua objetivação, de sua realização num material determinado (o gesto, a palavra, o grito), a consciência é uma ficção.” (BAKHTIN apud, FONTANA, 2003, p. 64).

A palavra e a significação são produtos da relação entre os homens. A compreensão não existe sem signos. Para ganhar significação, a palavra precisa de um signo. A palavra passa pelo processo de compreensão. Lima, recorrendo a Bakhtin, interpreta a palavra como “o signo ideológico por excelência. As palavras captam e, consequentemente, indiciam os processos de constituição dos sentidos e dos sujeitos.” (2005, p. 28).

Por meio do outro se forma a autoconsciência do sujeito na visão Bakhtiniana. Papéis e lugares sociais, significados, palavra, compreensão, signos – todas essas concepções constituem o sujeito.

Nota: Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975). Foi um filósofo, pensador russo e pesquisador da linguagem humana.

Referências:

FONTANA, R.A.C. Para além dos espelhos: comunidade dos destinos. In: Como nos tornamos professoras? Belo Horizonte, Autêntica, 2003.

LIMA, M.E.C.C. A urdidura do tecido e O caminho das pedras.  In:  Os sentidos do trabalho – a educação continuada de professores.  Belo Horizonte, Autêntica, 2005.

2 comentários:

  1. Entender essa necessidade do outro, na própria concepção pessoal de nós mesmos, é fundamental. Saber que somos, a todo momento, mesmo não intencionalmente,influenciados pelo meio e, incisivamente, por quem preenche esse meio, é ter maior compreensão sobre a nossa base de pensamento, ética, moral e comportamental. O outro é parte do meio e nós somos parte desse meio igualmente. Todos nos influenciamos, de alguma forma; é um processo, natural, e que nunca para.
    Ótimo texto, Dina!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Belo comentário, Ricardo! Como você disse: somos influenciados uns pelos outros. Abç

      Excluir