Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues
Boaventura Sousa Santos nasceu em
Coimbra, em 15/11/40. Doutorou-se em Sociologia do Direito pela Universidade de
Yale (1973). Professor Catedrático da Faculdade e Economia da Universidade de
Coimbra. Professor Visitante da Universidade de Wisconsin Madison, da London
Shool of Economics da Universidade de São Paulo e da Universidade dos Andes.
Diretor do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade
de Coimbra. Diretor do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de
Coimbra. Diretor da Revista Crítica de Ciências Sociais. Tem vários livros
publicados, dentre eles: Introdução a uma
Ciência Pós-Moderna (1989), Pela Mão
de Alice: O Social e o Político na Pós-Modernidade (1994) e a Crítica da Razão Indolente. Contra o
Desperdício da Experiência (2000).
Um Discurso sobre as Ciências é
uma versão ampliada da Oração de Sapiência proferida por Boaventura na abertura
das suas aulas na Universidade de Coimbra, no ano de 1985. O texto está
organizado numa introdução e três partes. As partes estão divididas em O paradigma dominante, A crise do paradigma
dominante e o paradigma emergente.
Estamos a quinze anos do final do século XX (p.5). Boaventura inicia
o seu discurso marcando o ano em que o
escreveu: 1985. Trata da ambigüidade e da complexidade da situação do tempo
presente , que ele denomina um tempo de
transição, em sincronia com muita coisa que está além ou aquém dele, mas
descompassado em relação a tudo o que habita (p.6).
Caracteriza sucintamente a ordem
científica hegemônica. O modelo global de racionalidade científica é
totalitário porque nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento
que não se pautam pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras
metodológicas.
Analisa os sinais da crise da
ciência hegemônica, distinguindo as condições teóricas e as condições
sociológicas da crise. As condições teóricas propiciaram grande avanço e
aprofundamento do conhecimento que permitiu ver a fragilidade dos pilares em
que se funda. Nas condições sociais, quaisquer que sejam os limites estruturais
do rigor científico, não restam dúvidas de que o que a ciência ganhou em rigor
nos últimos quarenta ou cinqüenta anos perdeu em capacidade de auto-regulação
(p.34).
Trata-se do paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente.
Explica que a natureza da revolução científica que atravessamos ocorre numa
sociedade revolucionada pela própria ciência. Sendo assim, o paradigma a
emergir dela não pode ser apenas um paradigma científico ou um paradigma
prudente, precisa ser um paradigma social ou o paradigma de uma vida decente (p.37).
Faz esse percurso balizado nas
seguintes teses: a falta de sentido em se fazer distinção entre ciências
naturais e ciências sociais; as ciências sociais como pólo catalisador para se
operar a síntese entre elas; para isso, as ciências sociais terão de recusar
todas as formas de positivismo lógico ou empírico ou de mecanicismo
materialista ou idealista com a conseqüente revalorização do que se
convencionou chamar humanidade ou estudos humanísticos; a síntese não visa uma
ciência unificada, nem uma teoria geral, mas um conjunto de galerias temáticas
onde convergem linhas de água; à medida que se der esta síntese, a distinção
hierárquica entre conhecimento científico e conhecimento vulgar tenderá a
desaparecer e a prática será o fazer e o dizer da filosofia da prática. (p. 9-10).
À medida que as ciências naturais
se aproximarem das ciências sociais estas aproximam-se das humanidades. A
concepção humanística das ciências sociais enquanto agente catalisador da fusão
progressiva das ciências naturais e das ciências sociais coloca a pessoa, o ser
humano, enquanto autor e sujeito do mundo, no centro do mundo. Toda a natureza é
humana, não há natureza humana (p.44).
O mundo, que hoje é natural ou
social e amanhã será ambos, visto como um texto,
um jogo, um palco ou uma autobiografia.
Jogo, palco, texto ou biografia, o mundo
é comunicação e por isso a lógica existencial da ciência pós-moderna é promover
a <<situação comunicativa>> tal como Habermas a concebe. (p.45).
Na ciência moderna o conhecimento
avança pela especialização rigorosa e restrita ao objeto que incide. O dilema
da ciência moderna: o seu rigor aumenta
na proporção direta da arbitrariedade com que espartilha o real.(p.46).
No paradigma emergente o conhecimento é total e local voltado para
grupos sociais concretos para projetos de vida locais (p.47). A fragmentação
pós-moderna não é disciplinar, é temática. Os
temas são galerias por onde os conhecimentos progridem ao encontro uns dos
outros. É um conhecimento que reside nas condições de possibilidades de
ação humana projetada no mundo a partir de um espaço-tempo local. Esse
conhecimento constitui-se a partir de uma pluralidade metodológica, de uma transgressão metodológica” e uma
tolerância discursiva (p. 48-49).
A ciência cria. Os pressupostos
metafísicos, os sistemas de crenças os juízos de valor são parte integrante da
explicação científica da natureza ou da sociedade. A ciência do paradigma
emergente é mais contemplativa do que ativa. O conhecimento científico ensina a
viver e traduz-se num saber prático. Tenta dialogar com outras formas de
conhecimento deixando-se penetrar por elas. Valoriza e reabilita o senso comum.
Sensocomunica-se com um conhecimento
tecnológico que deve traduzir-se em sabedoria de vida. Essa sabedoria assinala
os marcos da prudência à nossa aventura científica. A prudência é a insegurança assumida e controlada.
Assim, Boaventura traça as
características do paradigma emergente da pós-modernidade, destacando que todo
conhecimento científico-natural é científico social, é local e total, é
autoconhecimento, visa constituir-se em senso comum.
Finaliza ressaltando que se todo conhecimento é autoconhecimento,
também todo o desconhecimento é autoconhecimento.
O discurso de Boaventura Sousa
Santos é complexo e centra-se na crise da ciência moderna e da ciência
pós-moderna. Ajuda-nos a pensar a ambigüidade e a complexidade do conhecimento.
Pessoalmente, encaro esse olhar de Boaventura como uma fonte de renovação do
debate sobre o rigor científico, a valorização do senso comum e do saber
prático. Afinal, todo conhecimento da ciência provém do senso comum. O mundo
não se reduz à ciência, somos seres transcendentes e reais, não ideais. A
ciência se constitui por meio da vida cotidiana. Então, porque desprezar o
senso comum? E o saber do sujeito, ou indivíduo ou cidadão? A nossa realidade é
explicada de acordo com as nossas vivências e necessidades, envolvendo vários
condicionantes sociais. A explicação dessa realidade gera ambigüidades,
contradições e complexidade.
Esse texto pode ser extremamente
útil para aquelas pessoas que desejarem conhecer o pensamento de Boaventura
sobre ciência hegemônica e contra-hegemônica, a valorização do conhecimento
local, senso comum, das culturas locais, dos grupos sociais, o fortalecimento
das identidades locais e a valorização do auto-conhecimento.
Referência:
SOUSA SANTOS, Boaventura. Um discurso sobre as ciências. 98 ed.
Porto: Ed. Afrontamento, 2002.
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