segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Alteração das atribuições de cargos pela Administração Pública


Até onde a Administração pode alterar as atribuições dos cargos?


A alteração das atribuições de cargos pela Administração Pública é matéria frequente no âmbito jurídico. Isso porque, não raro, a Administração faz alterações em confronto com as determinações legalmente permitidas.

Por exemplo, em relação aos servidores federais, a definição de cargo público deriva do artigo 3º da Lei 8.112/90:

Art. 3o  Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.

Parágrafo único.  Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão.

Veja-se, as atribuições de um cargo estão previstas previamente ao concurso público específico para cada cargo, que além disso, são criadas por lei. E, uma vez criadas por lei, somente são passíveis de alterações, também, por lei.

É sabido que os servidores públicos não possuem direito adquirido ao regime jurídico, entretanto, tal premissa não autoriza a Administração alterar, unilateralmente, por norma incompetente, as atribuições dos cargos, sob pena de ilegalidade.

Assim o é porque a Constituição Federal, no artigo 37, incido II, dispõe que a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público, de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego.

Além disso, alterações extremadas de atribuições de cargos importam em provimento derivado, espécie de ingresso no serviço público vedada pela Constituição. Tenha-se que provimento derivado é entendido como aquele em que o servidor ingressa num plexo de atribuições distinto do qual foi nomeado, sem que prestasse o concurso público específico daquele ao qual investe-se.

Ou, ainda, importa, no mínimo, em desvio de função do servidor.

A matéria administrativo-constitucional não permite que o servidor venha exercer funções distintas daquelas que caracterizam o cargo para o qual prestou concurso público. Nas palavras de Carmén Lúcia:

“Com o início do exercício nascem para o servidor todos os direitos que a lei lhe assegura nessa condição, inclusive o desempenhar as funções inerentes ao cargo para o qual foi nomeado, cumprindo-se o quanto posto legalmente. Nomeado para determinado cargo e nele investido, há de exercer o servidor, a partir de então, as funções a ele inerentes e a nenhum outro.

E tanto assim é porque as funções são definidas para cada cargo público de tal maneira que elas corresponder ao conjunto de atribuições conferidas à responsabilidade do agente que titula.

Surge, pois, quanto ao exercício um dos mais gravosos e comuns problemas da Administração Pública, que é o desvio de função, acarretando traumas administrativos nem sempre facilmente solúveis.

Dá-se o denominado “desvio de função” quando o servidor é nomeado e investido em um cargo público e passa a desempenhar funções inerentes a outrem, mediante ato e o designa para tanto, sem qualquer comportamento formal. (Princípios constitucionais, 1999, p. 232-234)

O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre a questão afirmando que somente quando houver similitude de funções desempenhadas não haveria a ofensa ao artigo 37, inciso II da Constituição Federal – Princípio do Concurso Público, ou seja, quando houver mudança de atribuições de um cargo por lei formal e competente para tanto, além de mantidas as similitudes de funções (e.g. MS 26955).

O que significa que não é permitido à Administração Pública realizar alterações substanciais nas atribuições dos cargos.

Além disso, a Lei 8.112/90, que rege os servidores públicos, em seu artigo 13, veda expressamente a alteração unilateral das atribuições. Atitude diversa, impondo atribuições funcionais em que nada se relacionam com as anteriormente exercidas, corresponde à violação da segurança jurídica do servidor, que ficará vulnerável ao ditames conforme conveniência da Administração Pública.

Para além da ilegalidade do ato, que não a lei formal própria para modificações de competências, impor ao servidor função diversa da qual prestou concurso específico, acarreta, invariavelmente, em desvio de função.

Assim, conclui-se que somente é permitido à Administração Pública promover alteração de atribuições em cargos públicos através de lei própria (quando assim fixadas por lei), mas além disso, desde que preserve as similitudes de funções, que não importem em desvio de função, bem como em violações à segurança jurídica dos servidores e ao Princípio do concurso público. Desatenção à esses requisitos, qualquer alteração será ilegal e inconstitucional.

Fonte: <http://www.blogservidorlegal.com.br/ate-onde-administracao-pode-alterar-atribuicoes-dos-cargos-2/>

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Diferença entre revisão geral anual e reajuste remuneratório



Um enredo que se repete ano a ano, principalmente próximo do envio das propostas orçamentárias e comumente mediante greves, é aquele em que os servidores públicos batalham contra a Administração Pública na busca de melhorias salariais.

Após a pressão, a Administração parcialmente cede e oferece algum ganho remuneratório. Umas categorias recebem outras não e outras recusam a proposta. Inconformados de não terem ganho ou arrependidos por não ter aceitado, os servidores questionam: por conta da isonomia, não temos também direito mesmo ganho concedido aos demais?

Depende se foi reajuste remuneratório, que consta na primeira parte do inciso X do artigo 37 da Constituição da República, ou se foi revisão geral anual, que assim finaliza o dispositivo:

Art. 37 […] X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;

A diferença é sensível, pois apresentam naturezas jurídicas diversas, decorrem de institutos constitucionais distintos e iniciativas legislativas diferenciadas, o que acaba influenciando diretamente no direito à isonomia nos ganhos salariais.

A revisão geral anual tem por alvo a reposição da variação inflacionária que corroeu o poder aquisitivo da remuneração, e deve ter a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e envolver todos os servidores públicos, sempre na mesma data e sem distinção de índices.

Em tese, essa reposição inflacionária não representa conquista de melhoria ou aumento remuneratório, pois apenas resgata o poder aquisitivo subtraído pela elevação do custo de vida, vez que mantém o valor real dos salários. Nisso reside a lógica de ser dirigida a todos os servidores, porque sofrem com a mesma corrosão inflacionária, indistintamente.

Já a fixação ou reajuste remuneratório, diferentemente da revisão geral, direcionam-se a reengenharias ou revalorizações de carreiras específicas, mediante reestruturações de tabela, e que por isso, de regra, não são dirigidos a todos os servidores públicos.

Nesse caso, a Constituição reserva às iniciativas legislativas privativas de cada órgão administrativamente e orçamentariamente autônomo a liberdade de escolher quais carreiras ou cargos que devem receber aumento, sem que isso viole a isonomia em relação àqueles que não receberam o mesmo acréscimo (a depender do regime), “porquanto normas que concedem aumentos para determinados grupos, desde que tais reajustes sejam devidamente compensados, se for o caso, não afrontam o princípio da isonomia” (STF, ADI 3.599).

Óbvio é que, no mesmo cargo, não pode haver distinção no reajuste de remunerações, pois representaria ofensa direta à isonomia preconizada nos artigos 5º e 39 da Constituição da República, já que é o exercício das mesmas atribuições e responsabilidades do cargo que quantifica o valor do salário.

A propósito, a inteligência da Súmula STJ 378 demonstra que nem mesmo o nível de escolaridade pode servir de base para discriminação remuneratória, pois, se exercidas as mesmas funções, os servidores devem receber igualmente.

Hely Lopes Meirelles, comentando a diferenciação em debate, afirmou:

Há duas espécies de aumento de vencimentos: uma genérica, provocada pela alteração do poder aquisitivo da moeda, à qual poderíamos denominar de aumento impróprio, por se tratar, na verdade, de um reajustamento destinado a manter o equilíbrio da situação financeira dos servidores públicos; e outra específica, geralmente feita à margem da lei que concede o aumento geral, abrangendo determinados cargos ou classes funcionais e representando realmente uma elevação de vencimentos, por se fazer em índices não proporcionais ao do decréscimo do poder aquisitivo. (in Direito Administrativo Brasileiro, 29ªed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 459).

Então, caso aqueles ganhos que causaram dúvidas aos servidores decorram de revisão geral anual, sim, todos teriam direito aos mesmos aumentos. Do contrário, se se tratar de reajuste remuneratório, num primeiro momento, faltariam fundamentos para invocar a isonomia a fim de receber os mesmos patamares.

Ainda em relação à revisão geral anual, é certo que os servidores não necessitariam pelejar cotidianamente com a Administração para consegui-la, pois trata-se de matéria que, embora esteja na iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, não permite discricionariedade administrativa, porque é um comando constitucional impositivo e vinculado que deveria ser obedecido anualmente. Algumas teses foram levadas ao Judiciário para tentar obter a recomposição, as quais serão abordadas numa outra oportunidade.

Por Robson Barbosa

Fonte <http://www.blogservidorlegal.com.br/diferenca-entre-revisao-geral-anual-e-reajuste-remuneratorio/>

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Abandono de cargo por servidor público: hipóteses e sanções



Ausentar-se do serviço público, intencionalmente e por mais de trinta dias consecutivos, sem justificativa, configura-se abandono de cargo do servidor público federal. É o que diz o artigo 138 da Lei n. 8.112, de 1990[1]. Mas isso não é exclusividade do servidor público da esfera federal, pois os servidores da esfera estadual também poderão sofrer penalidade caso seja configurado esse abandono.
A Lei Complementar nº 10.098, de 3 de fevereiro de 1994, que dispõe acerca do estatuto e regime jurídico único dos servidores públicos civis do estado do Rio Grande do Sul, em seu artigo 26 diz que o servidor que interromper o exercício por mais de trinta dias consecutivos será demitido por abandono de cargo, com base em resultado apurado em inquérito administrativo.

Não diferente prevê a o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo (Lei nº 10.261, de 28 de outubro de 1968), que também diz que, salvo os casos previstos nessa lei, o funcionário que interromper o exercício por mais de trinta dias consecutivos, ficará sujeito à pena de demissão por abandono de cargo (artigo 63).

De todo modo, quer seja no âmbito federal, quer seja no âmbito estadual, o fato é que aquelas ausências ocorridas durante o período de mais trinta dias consecutivos e não justificadas, caracterizarão o abandono de cargo.

Importante destacar, porque oportuno, que também não será qualquer motivo para a ausência do serviço durante aquele período que servirá como justificativa para afastar a caracterização do abandono de cargo público, pois, conforme entendimento do doutrinador Francisco Xavier da Silva Guimarães[2], somente serão considerados aqueles motivos de força maior.

Inclusive o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o ROMS 200500485167, manteve a penalidade de demissão de servidor público que se ausentou do serviço por mais de trinta dias consecutivos – duzentos e seis dias consecutivos especificamente – porque não apresentou algum motivo de força maior para justificar tal ausência:

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL. DEMISSÃO POR ABANDONO DE CARGO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ATO DEMISSÓRIO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. AUSÊNCIA DE ANIMUS ABANDONANDI DO SERVIDOR. FALTA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. […] 2. O servidor que se ausenta voluntariamente do serviço por duzentos e seis dias consecutivos sem apresentar qualquer justificativa à Administração e sem comprovar a existência de motivos de força maior ou de coação ilegal que embasem a sua longa ausência deve ser demitido por abandono de cargo, nos termos do artigo 63 da Lei Estadual nº 10.261/68. 3. Recurso ordinário improvido.
(ROMS 200500485167, MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, STJ – SEXTA TURMA, DJE DATA: 09/11/2009 ..DTPB:.) (grifou-se)

Nesse caso, o servidor foi demitido do cargo de Delegado da Polícia Civil do Estado de São Paulo por abandono de cargo, exatamente porque se ausentou do trabalho sem apresentar algum motivo relevante e legalmente justificável.

De todo modo, na esfera federal, ao se caracterizar o abandono de cargo pelo servidor público, será adotado o mesmo procedimento previsto no artigo 133 da Lei n. 8.112/90[3], o qual deve ser concluído no prazo de trinta dias, a contar do ato que constituiu a Comissão Processante, admitida sua prorrogação por até quinze dias[4].

Nessa via Administrativa, segundo redação do inciso II do artigo 132, do diploma supra, a penalidade a ser aplicada ao servidor público que incorrer em abandono de cargo é a de demissão[5], sendo essa a mesma penalidade aplicada aos servidores estaduais referidos pelas legislações já mencionadas. Mas essa não é a única sanção a ser aplicada a esse servidor, que também responderá na esfera penal pelo crime tipificado no artigo 323 do Código Penal[6] – abandono de função pública.

Desse modo, o servidor que abandona o cargo público, sem justificativa e por mais de trinta dias consecutivos, além de sofrer a penalidade de demissão na esfera administrativa, também cumprirá a pena de detenção, de quinze dias a um mês ou multa. Ainda, se do fato resultar prejuízo público, essa pena de detenção será de três meses a um ano e multa. Por fim, se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira, a pena será de detenção, de um a três anos, e multa.

Portanto, toda e qualquer ausência do servidor público ao serviço deve sempre ser comunicada e motivada – e esse motivo deve ser mesmo de força maior – sobretudo se se tratar de ausência por períodos longos, como aqueles superiores a trintas dias consecutivos, pois do contrário esse servidor poderá deixar de sê-lo, porque certamente será demitido, bem como responderá a processo criminal, podendo ser, inclusive, condenado nessa esfera judicial.

Por Nayara Santana

[1] Lei n. 8.112/90. Art. 138 Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos.
[2] GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Regime disciplinar do servidor. Ed. Forense: 1998, p.66
[3] Lei n. 8.112/90.  Art. 133.  Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, a autoridade a que se refere o art. 143 notificará o servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de dez dias, contados da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a sua apuração e regularização imediata, cujo processo administrativo disciplinar se desenvolverá nas seguintes fases:
[4] Artigo: WARMLING, Glenda Liz de Paula. O processo disciplinar por abandono de cargo. Site Jus Navegandi.
[5] Lei n. 8.112/90. Art. 132.  A demissão será aplicada nos seguintes casos: […] II – abandono de cargo;
[6] Código Penal. Art. 323 – Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. § 1º – Se do fato resulta prejuízo público: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. § 2º – Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira: Pena – detenção, de um a três anos, e multa.

Fonte: <http://www.blogservidorlegal.com.br/abandono-de-cargo-por-servidor-publico-hipoteses-e-sancoes/>