Publicado por Meirielen do Rocio Rigon - 1 ano atrás
A Constituição Federal
trás como um dos seus fundamentos os valores sociais do trabalho e a
dignidade da pessoa humana. Com o primeiro se busca erradicar a pobreza,
combater a marginalização e reduzir as desigualdades sociais, já o
segundo tem como objetivo impedir que alguns abusos sejam cometidos
contra cidadãos a ponto de atingir a sua dignidade, assim, podemos
enquadrar como parte da dignidade da pessoa o direito de ter
resguardados informações sobre a sua saúde e intimidade.
Em 1992 a
Organização Mundial de Saúde instituiu o Código Internacional de
Doenças (CID) que é uma classificação que identifica as doenças e
problemas de saúde sob um código alfa numérico único, de validade
global, tal codificação se deu com o objetivo de possibilitar a
identificação uma doença em qualquer país independentemente de possuírem
ou não a mesma nomenclatura.
Desta forma setores de Recursos
Humanos de empresas privadas e a própria seguridade social passaram a
exigir que o médico, ao emitir atestado, coloque nele o CID da doença e é
aqui que surge o impasse entre a proteção das relações médico-pacientes
x relações de trabalho. O problema surge basicamente quando o médico
deixa de colocar o CID da doença no atestado e o setor de recursos
humanos da empresa ou a previdência social recusa tal atestado ante a
ausência do CID.
A resolução 1.819/2007 do Conselho Federal de
Medicina veda a colocação do CID em atestados em certas situações,
especialmente quando a doença puder vir a ser alvo de qualquer espécie
de preconceito, assim, muitos passaram a sustentar a ilegalidade da
exigência do CID nos atestados, bem como a consequente recusa destes.
Ocorre
que tanto a recusa quanto o aceite de atestados sem o CID geram
inúmeros problemas. Ao aceitar esse tipo de atestado a empresa estaria
correndo alguns riscos, como, por exemplo, ter de arcar com os custos e
um empregado “doente crônico”, que sempre apresenta um atestado para
justificar suas faltas, isso porque o art. 75, §§ 4º e 5ª do Decreto 3.048/99
dispõe que caso o empregado dentro do prazo de 60 dias fique afastado
de suas atividades laborativas, ainda que de forma descontinua, por mais
de 15 dias pela mesma doença deverá ser afastado e encaminhado para
perícia da Previdência Social para averiguação do cabimento ou não do
auxilio doença, destaca-se a MP 664/2014
alterou o período em que o empregador arca com o afastamento do
empregado doente de 15 para 30 dias, no entanto, referida MP não alterou
o art. 75, §§ 4º e 5º do Decreto 3.048/99, mas, com certeza, passará a ser interpretado nos termos da malfada MP, vejamos a redação do Decreto:
Art. 75. Durante os primeiros quinze dias consecutivos de afastamento da atividade por motivo de doença, incumbe à empresa pagar ao segurado empregado o seu salário.
§ 4o Se o segurado empregado, por motivo de doença, afastar-se do trabalho durante quinze dias, retornando à atividade no décimo sexto dia, e se dela voltar a se afastar dentro de sessenta dias desse retorno, em decorrência da mesma doença, fará jus ao auxílio doença a partir da data do novo afastamento.
§ 5º Na hipótese do § 4º, se o retorno à atividade tiver ocorrido antes de quinze dias do afastamento, o segurado fará jus ao auxílio-doença a partir do dia seguinte ao que completar aquele período.
Assim
o entendimento das empresas e da seguridade social é que para se
verificar a exigência de “mesma doença” é indispensável colocação do CID
nos atestados, recusando-os em caso de ausência de CID o que atinge
diretamente a dignidade da pessoa humana.
Primeiramente insta
registrar que o médico não pode ser obrigado a colocar o CID, pois
estaria assim violando a ética de sua profissão quebrando o sigilo
médico x paciente que deve ser resguardado.
Ressalta-se ainda que
ao ser encaminhado para a Previdência para receber auxilio doença a
pessoa será submetida a uma perícia médica, que por sua vez é realizada
por um médico que, teoricamente, possui conhecimentos técnicos
suficientes para verificar qual seria a doença do trabalhador, ocorre
que a exigência para se tornar perito na Previdência Social é a
aprovação em concurso público, e os editais não costumam exigir
especialização alguma, basta que seja médico devidamente inscrito no
CRM, assim, os próprios peritos recusam o recebimento do atestado sem a
colocação do CID, ainda que este contenha a descrição do caso, os
peritos costumam afirmar que tal documento é inaceitável em tais
condições indeferindo benefícios com base em uma mera burocracia, ou
deveríamos dizer “burrocracia”?
A verdade é que se faz necessário
que tanto a lei quanto os peritos sejam atualizados, hoje em todas as
áreas de conhecimento a especialização é uma exigência, não seria
correto exigir-se então dos peritos ao menos especialização em medicina
do trabalho?
Insta registrar ainda que a doença nunca é vista
com bons olhos pelos patrões, que muitas vezes pensam que o empregado
está fazendo “corpo mole” e o médico sendo conivente emitindo atestados
absurdos. Ora, a doença não é algo que agrada ninguém, especialmente
quem é sua vítima, assim é de suma importância que seja vista de forma
mais solidária, especialmente por peritos que muitas vezes orientados a
respeitar as regras ao pé da letra, esquecem que a dignidade da pessoa
humana é um principio fundamental do Estado Democrático de Direito e a
função primordial da seguridade social é assegurar a qualidade de vida
do segurado, garantindo ao indivíduo condições mínimas de sobrevivência
digna, o que não ocorre com a “burrocrarização” do sistema.
Assim, considerando que em momento algum o Decreto 3.048/99
afirma que o conceito de “mesma doença” seria “mesmo CID”, tal
exigência torna-se desfundamentada e ilegal, pois, ao interpretar a lei
de forma extensiva não se leva em conta os princípios basilares do
direito brasileiro, entre os quais se destaca a dignidade da pessoa
humana.
Meirielen do Rocio Rigon Advogada,
formada pela Universidade Estadual de Londrina, especialista em direito
público e mestranda em Direito do Trabalho e Relações Internacionais do
Trabalho pela Universidad Tres de Febrero (Buenos Aires, Argentina)
Fonte: <http://meirielenrigon.jusbrasil.com.br/artigos/166868065/da-ilegalidade-da-exigencia-do-cid-em-atestados-medicos>
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