Guilherme Perez Cabral
25/04/2016 06h00
"Mesmo a quem não tem fé,/ A fé costuma acompanhar,/ Pelo sim, pelo não." (Gilberto Gil)
Ao conhecer, domingo retrasado (17), os deputados que compõem o
Congresso Nacional, muita gente estranhou e questionou, com razão, tanta
menção a Deus na votação do processo de afastamento da Presidente da
República. Afinal, o "impeachment", a panaceia para a solução de todos
os males do Brasil, deveria decorrer, imediatamente, de um crime de
responsabilidade, conforme nossa legislação, e não de uma interferência
divina.
Trouxe à tona o tema do espaço reservado à religião em
nossa República, espaço sem dúvida importante, que passa pelo nosso
assunto, a educação.
A Constituição, de acordo com seu
preâmbulo, é promulgada "sob a proteção de Deus". Mas isso não para
instituir um Estado religioso. Com efeito, é vedado ao Poder Público
estabelecer cultos religiosos, patrocinar ou se vincular a determinada
igreja, prejudicando outras.
O que a Constituição faz é garantir
a liberdade de crença e, para tanto, o livre exercício dos cultos
religiosos, protegendo seus locais e liturgias.
Ingressando na
temática educacional, são princípios constitucionais a liberdade de
ensinar, aprender e pesquisar, assim como o pluralismo de ideias
pedagógicas. Isso implica, dentre outras coisas, a liberdade de educar,
conferida às instituições religiosas, à luz de sua doutrina.
A
Constituição prevê, inclusive, o ensino religioso, de matrícula
facultativa, na rede pública. Como complementa a Lei de Diretrizes e
Bases (LDB), é parte integrante da formação básica do cidadão, devendo,
de qualquer forma, na escola pública, garantir o respeito à "diversidade
cultural religiosa do Brasil".
Quanto às escolas privadas, elas
podem, sim, ser mantidas por pessoas que seguem uma dada religião. Se
diz, na LDB, instituições "confessionais". Organizam-se e se orientam na
perspectiva de sua fé.
Isso não significa, contudo, que religiões e escolas confessionais
estejam liberadas do cumprimento das leis da República, que estejam à
margem das regras do Estado Democrático de Direito.
Falar em
nome de Deus não é justificativa para desobedecer a legislação
brasileira. Segundo a Constituição, não vale invocar a religião para se
eximir de obrigação legal (o que ela possibilita, em caso de recusa por
motivos religiosos, é o cumprimento de obrigação alternativa, também
fixada em lei).
A educação segue a mesma linha. A instituição de
ensino, seja qual for sua orientação confessional, orienta-se também ao
atendimento dos objetivos constitucionais de desenvolvimento pleno da
pessoa, qualificação para o trabalho e preparo ao exercício da
cidadania. E, para isso, não pode se furtar ao cumprimento das normas,
diretrizes e conteúdos determinados pelo poder público.
Enfim,
temos a liberdade para falar em Deus, seguir uma religião e professá-la.
Por outro lado, temos de respeitar, na vida social, vivida conforme as
crenças de cada um, o que foi estipulado pelo Estado Democrático de
Direito.
Os espaços convivem. O Estado respeita as religiões,
assegura a liberdade de crença e o ensino religioso. A escola
confessional qualifica para o trabalho e forma cidadãos da República, de
acordo com a lei.
A convivência exige que cuidemos
religiosamente dos assuntos da religião. E exige que, ao tratar de
coisas da República (como o impeachment da Presidente), previstas na lei
secular, no direito laico, fiquemos com este, somente. Seja numa aula
da escola confessional, seja numa votação no Congresso Nacional.
Guilherme Perez Cabral é advogado e professor, doutor em filosofia e Teoria Geral do Direito
Fonte: < http://educacao.uol.com.br/colunas/guilherme-cabral/2016/04/25/que-deus-e-a-educacao-religiosa-protejam-nossa-constituicao-republicana.htm>
Nenhum comentário:
Postar um comentário