Por Ernaldina Sousa
Silva Rodrigues
Guimarães Rosa tratava a vida
como “um mutirão de todos, por todos remexida e temperada". A vida nós a
fazemos com o mutirão de gente, de pessoas, de indivíduos. Assim somos nós na concepção bakhtiniana,
somos uma mistura de todos, para sermos nós. “Tornamo-nos nós mesmos através
dos outros” (BAKHTIN apud FONTANA,
2003, p. 61), remexidos, temperados por um mutirão de pessoas, de vozes e de
sentidos. Percebemos-nos e nos fazemos no contato com o outro, nas relações
sociais.
No texto Da dialética dos espelhos à autoconsciência, Fontana trata do tema
autoconsciência na visão de Bakhtin. Tudo o que é humano tem origem nas
relações sociais. “A consciência de nossa própria individualidade organiza-se e
desenvolve-se em nossas relações sociais.”
(2003, p.61). Tornamos-nos aquilo que somos no contexto das relações
sociais. É na relação com o outro que eu começo a me constituir como indivíduo
singular. Na relação com o outro vou me tornando social. Não é o outro
concreto, mas muitos outros. Por outro lado, no texto A Urdidura do tecido,
Lima (2005) recorre a Bakhtin como seu interlocutor para entender o homem, ser
constituído histórica e coletivamente nas práticas sociais.
“Ao nascer, cada um de nós
mergulha na vida social, na história, e vive, ao longo de sua existência,
distintos papéis e lugares sociais, carregados de significados – estáveis e emergentes –
que nos chegam pelo outro.” (FONTANA, 2003, p. 62, grifo nosso). “A obra de Bakhtin gira em torno do eixo do eu e do outro [...]
O que vemos é determinado pelo lugar de onde viemos.” (LIMA, 2005, p.28). Cada
um de nós mergulhou no mundo para ser o que é hoje. Sou consciente de mim por
meio do outro. Desperto-me para o mundo exterior por meio da “consciência
alheia”. Somos mediados por “parceiros sociais” por meio das relações sociais.
O emergir da consciência passa
por distintos papéis que desempenhamos e por lugares sociais que ocupamos em
nossas relações sociais. Para entendermos o sujeito e os lugares que ocupa,
precisamos olhá-lo com o olhar de multiplicidade. Esse olhar passa pelo
contexto histórico e cultural carregado de significados.
A singularidade do sujeito vai se
construindo social e historicamente.
“Elaboramos o mundo e nos elaboramos no mundo pela palavra do outro, da
qual inicialmente nos apropriamos.” (FONTANA, 2003, p. 63).
“A
compreensão não pode manifestar-se senão através de um material semiótico [...]
A compreensão é uma resposta a um signo por meio de signos [...] Fora de sua
objetivação, de sua realização num material determinado (o gesto, a palavra, o
grito), a consciência é uma ficção.” (BAKHTIN apud, FONTANA, 2003, p. 64).
A palavra e a significação são
produtos da relação entre os homens. A compreensão não existe sem signos. Para
ganhar significação, a palavra precisa de um signo. A palavra passa pelo
processo de compreensão. Lima, recorrendo a Bakhtin, interpreta a palavra como
“o signo ideológico por excelência. As palavras captam e, consequentemente,
indiciam os processos de constituição dos sentidos e dos sujeitos.” (2005, p.
28).
Por meio do outro se forma a
autoconsciência do sujeito na visão Bakhtiniana. Papéis e lugares sociais,
significados, palavra, compreensão, signos – todas essas concepções constituem
o sujeito.
Nota: Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975). Foi um filósofo,
pensador russo e pesquisador da linguagem humana.
Referências:
FONTANA, R.A.C. Para além dos espelhos: comunidade dos
destinos. In: Como nos tornamos
professoras? Belo Horizonte, Autêntica, 2003.
LIMA, M.E.C.C. A urdidura do tecido e O caminho das pedras.
In: Os sentidos do trabalho – a
educação continuada de professores. Belo Horizonte, Autêntica, 2005.