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terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Quatro mitos sobre a crítica de Marx ao Capitalismo (ou “o que a crítica marxiana ao capitalismo não é”)

Em 2011, na esteira de um renovado interesse por Marx e por sua crítica ao capitalismo, Terry Eagleton publicou um livro intitulado “Marx Estava Certo”. Cada um dos dez capítulos do livro apresenta uma crítica usual ao marxismo (na maior parte das vezes oriunda do senso-comum) e a resposta de Eagleton. O livro é uma leitura interessante para qualquer leitor interessado, mas as dez críticas selecionadas respondiam a critérios diversos, como o contexto britânico e a subjetividade do autor.

O livro de Eagleton pretendia desenvolver subsídios para o evidente retorno da crítica marxiana ao palco do debate político mundial. Desde a crise de 2008 a percepção do público em geral havia se transformado: subitamente, o capitalismo deixou de ser encarado como um sistema natural e as alternativas – ou ao menos a busca por elas – ressurgiram. A obra marxiana (re)apareceu então como um manancial importante onde poderíamos encontrar algumas respostas – ou pelo menos perguntas mais adequadas.

No Brasil, uma efetiva polarização social vem se expressando nos últimos anos através de uma polarização do debate eleitoral. Termos como comunista, socialista, vagabundo e Cuba voltaram definitivamente à cena. Se Terry Eagleton passasse uma temporada em terras tupiniquins, talvez sentisse a necessidade de escrever um complemento ao seu livro, adaptado ao contexto nacional. O que se segue abaixo é uma colaboração nesse sentido, tentando responder brevemente a alguns mitos, enganos, ignorâncias e falsificações acerca do sentido da obra marxiana.

1. Não é franciscanismo.
“É comunista, mas tem Iphone!”
A crítica marxiana ao capitalismo não é uma crítica ao modo de distribuição da riqueza, mas ao seu modo de produção. Enquanto a forma de produção das riquezas estiver organizada pela separação entre os proprietários dos meios de produção (os capitalistas) e os proprietários de sua própria força de trabalho (os trabalhadores) é impossível garantir uma redistribuição da riqueza de forma duradoura. A caridade individual pode garantir um lugar no paraíso para o bom cristão, mas não altera em nada uma questão social. Ao contrário, a transformação da forma de produção da riqueza implica transformação da sua forma de distribuiçtão.

 Outra dimensão da crítica marxiana é o reconhecimento dos imensos poderes produtivos criados pelo capitalismo: o marxismo também não é um primitivismo – uma ideia inocente de retorno a um estado natural. Ao contrário, é esse imenso poder produtivo da humanidade que aparece como pré-condição para a superação do capitalismo. Em outras palavras: o Iphone não é o problema, mas sim que ele represente uma tecnologia vedada à maior parte da população mundial. Os comunistas não querem um mundo sem smartphones, mas um em que esse tipo de tecnologia não seja acessível apenas para uma minoria.

2. Não é um passo-a-passo para o comunismo.
“O ser humano é egoísta por natureza!”
Quem lê O Capital em busca de um passo-a-passo para uma sociedade comunista, se decepciona. O subtítulo do livro, muitas vezes ignorado, é “Crítica da Economia Política”. O próprio Marx define o comunismo da seguinte maneira:
Ou seja, comunismo é meramente a superação do modo de produção capitalista. A própria ideia de que o comunismo pudesse ser estabelecido através um “plano” definido nos mínimos detalhes por uma pessoa é expressão de um idealismo combatido pela própria crítica marxiana. Essa ideia normatizadora (“o comunismo tem que ser desse ou daquele jeito”) estaria diretamente relacionada à outra – uma normatização de como as pessoas deveriam ser para uma sociedade comunista “funcionar” (desinteressados, sem individualidade etc). Essas ideias são traduzidas pela clássica imagem de uma sociedade onde todos comem a mesma comida (ruim!), vestem a mesma roupa (cinza!) e desempenham trabalhos manuais (repetitivos!).

Em Marx, ao contrário, o que encontramos é uma radical percepção da dimensão plástica do humano – isto é, que não existe uma natureza humana imutável – e do respeito à individualidade – que não se confunde como individualismo. Essa percepção impossibilita qualquer previsão (ou normatização) sobre como as pessoas seriam em uma sociedade diferente e ainda inexistente. O ponto fundamental é afirmar as possibilidades concretas e imediatas de transformação da sociedade – mesmo naquilo que parece mais natural -, não a determinação a priori do resultado dessa transformação.

3. Não é um totalitarismo.
“O comunismo matou um trilhão de pessoas!”
Uma abordagem comum nos últimos anos vem sendo a posição anti-intelectual que vincula a crítica marxiana com os horrores do stalinismo e/ou do totalitarismo em geral. Essa vinculação seria responsável por uma mácula primordial, onde marxismo redundaria automaticamente em totalitarismo. Os críticos menos ignorantes (mas ainda assim bastante ignorantes) pensam ter encontrado no conceito de “ditadura do proletariado” justamente o termo que expressa essa vinculação necessária.

Mas o conceito de “ditadura do proletariado” não tem nenhuma relação com as ditaduras do século XX – regimes anti-democráticos, reacionários, militarizados e assassinos. No século XIX, conforme demonstrou o historiador Hal Draper, o conceito de ditadura tinha um sentido muito mais próximo de sua origem, na Roma antiga (dictatura): “Essa instituição constituía um exercício de poder emergencial por um cidadão confiável com propósitos e duração limitada, no máximo seis meses. Seu objetivo era preservar o status quo republicano”.
Em Marx a palavra se recobre de um novo sentido – a ditadura de uma classe, não mais para a preservação do status quo, mas para a sua transformação. Quando se fala em “ditadura do proletariado” (e, vale lembrar proletariado quer dizer assalariado) a imagem que devemos conjurar não são campos de concentração para a classe média ou pelotão de fuzilamento para os ricos, mas um período de transição no qual a condução política da sociedade é fruto da deliberação direta dos trabalhadores. Ecoando Marx, F. Engels definiu assim a ditadura do proletariado:

4. Não é datada.
“O capitalismo já não é mais como no tempo do Marx!”
Essa perspectiva supõe um reconhecimento do caráter científico da crítica marxiana, mas apenas para retirar seu caráter político. O argumento estabelece então que a crítica marxiana é correta, mas se aplicaria apenas ao capitalismo do século XIX. O capitalismo do século XX, ao contrário, seria radicalmente diferente – seja pela suposta redução do número de trabalhadores que desempenham tarefas manuais, pela expansão do ramo de serviços ou simplesmente pelo avanço tecnológico.

O que essa posição ignora é que a crítica marxiana é uma crítica aos elementos fundamentais do Capitalismo – como trabalho assalariado, a dinâmica do capital e o dinheiro como mediação social. E justamente por ser uma crítica desses elementos, inclui cada uma das “novidades” que são citadas para declarar sua irrelevância. Enquanto a produção social estiver organizada de maneira capitalista, a crítica marxiana terá validade e relevância.

O melhor antídoto contra falsificações e mistificações da crítica marxiana ao capitalismo é a leitura direta da obra do próprio Marx. Felizmente, atualmente dispomos de boas edições e excelentes materiais de acompanhamento para essa tarefa, além de cursos frequentes nas principais universidades.

Marx não tem todas as respostas – ainda que coloque muitas questões. Sua obra não fornece caminhos fechados ou dogmas, mas um método e uma crítica. A obra marxiana é, sobretudo, uma plataforma de pensamento – ombros de um gigante sobre o qual podemos nos apoiar para vermos muito além do nosso horizonte imediato.

Fonte: < https://capitalismoemdesencanto.wordpress.com/2015/05/18/quatro-mitos-sobre-a-critica-de-marx-ao-capitalismo-ou-o-que-a-critica-marxiana-ao-capitalismo-nao-e/>

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Um toque de Clássicos: apontamentos de leitura


Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues

Karl Marx (1818-1883) pertence ao grupo dos clássicos do pensamento sociológico juntamente com Émile Durkheim e Max Weber. Formulou teorias sobre a vida social e analisou a sociedade capitalista. Acreditava que a razão era um instrumento de apreensão e entendimento da realidade e de construção de um mundo mais justo.

O texto 'Introdução', do livro 'Um toque de Clássicos', sintetiza os fundamentos conceituais e metodológicos da teoria social contida na obra de Marx.

Marx parte do significado da dialética de Hegel de forma invertida. Se para Hegel é o pensamento que cria a realidade manifestada exteriormente pela ideia; para Marx, é o mundo material que cria a realidade por meio da contradição vivida entre os homens em condições históricas e sociais reais. A dialética, segundo Marx, é o método de análise da vida social, econômica, política e intelectual que deve ser feita do estudo dos fatos concretos, a fim de expor a vida real. Dessa forma, as autoras Oliveira e Quintaneiro (2002),comparam o materialismo histórico com o  idealismo hegeliano.

No idealismo hegeliano, a história da humanidade é a historia do espírito. Para Marx, o ponto de partida são os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições de existência.

A base de todas as relações entre os homens se estabelece por meio das relações materiais e o modo como produzem seus meios de vida. Essa análise fundamenta o materialismo histórico.

A natureza é o meio onde os homens buscam suprir suas necessidades. A produção e a reprodução da vida se dão por meio do trabalho tido como principal atividade humana que constitui a história do homem.

Forças produtivas referem-se aos instrumentos e habilidades que possibilitam o controle das condições naturais em que os homens se encontram. As relações sociais de produção implicam em como os homens se organizam socialmente para produzir, distribuir e se apropriarem dos meios de produção. As relações sociais são produzidas pelos homens e estão ligadas às forças produtivas.

O conjunto das forças produtivas e das relações sociais, a base econômica, forma a infraestrutura de uma sociedade. A super-estrutura ou supra-estrutura é construída pelo nível político-ideológico e está condicionada pelo modo como os homens estão organizados no processo produtivo.

Marx explica as lutas de classes na sua estrutura e forma, demonstrando que a existência das classes está unida apenas a determinadas fases históricas do desenvolvimento da produção; que a luta de classes conduz à ditadura do proletariado; que a abolição de todas as classes para uma sociedade sem classes se fará por meio do proletariado. Portanto, a classe explorada, que é o proletariado, impulsionará a mudança estrutural da sociedade.

O aparecimento das classes sociais vincula-se ao surgimento de um excedente de produção que possibilita a apropriação privada das condições de produção e da divisão social do trabalho. As classes vinculam-se às relações de produção e constituem o nível de estrutura de uma sociedade.

A classe revolucionária, os grupos explorados, a classe oprimida socialmente, o proletariado constituem a maior força produtiva, segundo Marx. A partir do momento que a classe revolucionária se organizar e se apropriar das forças produtivas, dar-se-á a conquista do poder e a revolução social.

Para analisar a sociedade capitalista, parte-se da mercadoria tendo um valor de uso e um valor de troca definidos por meio do caráter social das necessidades, do nível de cooperação, dentre outros. O trabalhador vende sua força de trabalho como uma mercadoria para o capital. Uma parte do valor, apropriado sob a forma de trabalho excedente passa a ser trabalho não pago e passa a integrar o capital. O tempo de trabalho excedente é a mais valia e representa a exploração da força de trabalho pelo capital, segundo Marx.

A burguesia teve um papel revolucionário nos instrumentos de produção e nas relações sociais, impulsionando a livre concorrência e a dominação econômica e política da classe burguesa, desde a sociedade feudal onde se originou.

Com essa dominação, surgiram as classes da burguesia e do proletariado. Para eliminar as condições de apropriação e concentração dos meios de produção na classe burguesa, funda-se a sociedade sobre uma nova forma de organização social. Numa fase transitória, essa forma seria uma ditadura do proletariado. Ao realizar as condições propostas, a sociedade seria comunista.

A dominação da burguesia é tão exacerbada que o trabalhador tem o trabalho como meio de sobrevivência e um sacrifício de sua vida. A alienação está na organização social da produção. O poder social é percebido como uma força alheia.

Com a sociedade comunista, o conflito entre homem e natureza e entre homem e homem se resolveriam, haveria a reconstrução consciente da sociedade humana e iniciaria uma nova vida social.

Nas conclusões, as autoras discorrem sobre a complexidade do objeto que o marxismo procura analisar e apresentam o resultado dessas análises.

OLIVEIRA, M.G.M. E QUINTANEIRO, T. Karl Marx – Introdução. In: Quintaneiro, T; Barbosa, M. L. e Oliveira, M. G. M. (Orgs.). Um toque de Clássicos. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002, p. 27-66.

terça-feira, 11 de junho de 2013

O Manifesto Comunista: apontamentos de leitura

Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues

O Manifesto Comunista, originalmente denominado Manifesto do Partido Comunista (em alemão: Manifest der Kommunistischen Partei), publicado pela primeira vez em 21 de Fevereiro de 1848, é historicamente um dos tratados políticos de maior influência mundial. Comissionado pela Liga Comunista e escrito pelos teóricos fundadores do socialismo científico Karl Marx e Friedrich Engels, expressa o programa e propósitos da Liga.[1]

A Liga dos Comunistas, associação operária internacional que, nas circunstâncias de então, só podia evidentemente ser secreta, encarregou Karl Marx, Friedrich Engels, no Congresso que teve lugar em Londres em Novembro de 1847, de redigir um programa detalhado, simultaneamente teórico e prático, do Partido e destinado à publicação. Tal é a origem deste Manifesto, cujo manuscrito foi enviado para Londres, para ser impresso, algumas semanas antes da Revolução de Fevereiro. O próprio Manifesto explica que a aplicação dos princípios dependerá sempre e em toda a parte das circunstâncias históricas existentes, e que, portanto, não se deve atribuir demasiada importância às medidas revolucionárias enumeradas no final do capítulo II. Esta passagem, atualmente, teria de ser redigida de maneira diferente, em mais do que um aspecto. Dados os imensos progressos da grande indústria nos últimos vinte e cinco anos e os progressos paralelos levados a cabo pela classe operária na sua organização em partido, dadas as experiências práticas, primeiro na Revolução de Fevereiro, depois, e, sobretudo, na Comuna de Paris, que, durante dois meses e pela primeira vez, pôs nas mãos do proletariado o poder político, este programa envelheceu em alguns dos seus pontos. A Comuna demonstrou, nomeadamente, que a "classe operária não pode contentar-se com tomar tal qual a máquina estatal e fazê-la funcionar por sua própria conta". Além disso, é evidente que a crítica da literatura socialista apresenta uma lacuna em relação ao momento atual, uma vez que só chega a 1847. E, de igual modo, se as observações sobre a posição dos comunistas face aos diferentes partidos da oposição (capítulo IV) são ainda hoje exatas nos seus princípios, na sua aplicação elas envelheceram, porque a situação política se modificou completamente e a evolução histórica fez desaparecer a maior parte dos partidos que ali se enumeram. No entanto, o Manifesto é um documento histórico que já não temos direito a modificar. Uma edição posterior será talvez precedida de uma introdução que poderá preencher a lacuna entre 1847 e os nossos dias; a atual reimpressão foi tão inesperada para nós, que não tivemos tempo de escrevê-la. [2]

Um espectro paira sobre a Europa – o espectro do comunismo. (p.19). Com o fantasma do comunismo a rondar a Europa no século XIX, Marx e Engels iniciaram o texto do Manifesto Comunista, publicado em 1848.

Os autores apresentaram suas ideias, objetivos e tendências do comunismo em quatro capítulos, a fim de descartarem as lendas que ocorriam a respeito dos comunistas na Europa naquela época.

No primeiro capítulo, Burgueses e proletários, os autores dedicaram atenção especial à história da sociedade e à história das lutas de classes. (p.19). Esclareceram que historicamente a sociedade se reduzia a duas classes antagônicas: a burguesia e o proletariado. (p.20). Descreveram criticamente a constituição da burguesia desde a Idade Média até aqueles dias, constatando que a burguesia sempre foi o resultado de um longo percurso de desenvolvimento e de uma séria de revoluções nos sistemas de produção e de troca. (p. 21).

Constataram, ainda, que a burguesia desempenhou um papel proeminentemente revolucionário na história. Dissolveu todas as relações feudais, patriarcais e idílicas; substituiu a exploração camuflada de ilusões religiosas e políticas pela exploração aberta; transformou o médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem de ciência em trabalhadores assalariados; arrancou o véu do sentimento que envolvia as relações de família, reduzindo-as a simples relações monetárias; revolucionou todos os meios e relações de produção e com elas todas as relações sociais. (p.21).

Nesse sentido, o que parecia sólido, desaparece; o que era sagrado, tornou-se profano, e os homens foram obrigados a conviver serenamente com suas condições e relações de vida. A burguesia expandiu-se e estendeu-se por todas as nações, graças ao desenvolvimento dos meios de produção, dos meios de comunicação, da sua mercadoria barata. (p.22). Concentrou nas mãos de poucos a propriedade da sociedade, centralizando a política. (p.23). De que maneira a burguesia conseguiu vencer as crises comerciais, a epidemia da superprodução? Destruindo grande parte das forças produtivas, conquistando e explorando novos mercados.

O Manifesto ressaltou a produção dos proletários pela burguesia. Os choques entre as classes da velha sociedade favoreceram o desenvolvimento do proletariado. A burguesia viveu em guerra contra a aristocracia, contra seus próprios interesses e contra a burguesia dos países estrangeiros. Nessas lutas, buscou auxílio no proletariado, empurrando-o para a área política. Dessa forma, possibilitou a politização do proletariado e o armou contra ela própria. O proletariado tomou consciência de sua força, enxergou as suas condições precárias de vida e de trabalho; nasceram os conflitos entre o operário e o burguês. Assim, os operários começaram a se unir em sindicato contra os burgueses e foram considerados uma classe revolucionária frente à burguesia. (p. 24-27). 

Qual a posição dos comunistas em relação ao proletariado, de maneira em geral (p.29), questionaram Marx e Engels no início do segundo texto. Esclareceram que os comunistas comungavam dos mesmos interesses do proletariado. Pretendiam modelar o movimento operário, formulando princípios particulares. Não se opunham aos outros partidos operários. Os comunistas pretendiam a constituição dos proletários em classe, a derrubada da supremacia burguesa e a conquista do poder político pelo proletariado (p. 29).

Explicaram que a doutrina comunista refletia a realidade daquela luta de classe entre burguesia e proletariado. Os comunistas tinham sido os únicos que propuseram a abolição da propriedade em geral. Segundo os autores, a propriedade privada resultou do antagonismo entre capital e trabalho assalariado. O capital foi resultado de uma ação coletiva, dos esforços da sociedade, devendo ser tomado como uma força social e não pessoal (p.29).

Sobre o trabalho assalariado, os comunistas pretendiam eliminar o caráter degradante de apropriação do capital sobre o trabalho do operário que o obrigava a viver exclusivamente para ampliar o capital  em função da classe dominante, a burguesia. Se no sistema burguês o trabalho vivo destinava-se a aumentar o trabalho acumulado, no sistema comunista, o trabalho acumulado se reduzia de modo que ampliasse, enriquecesse e promovesse a vida do trabalhador (p.30-31).

No Manifesto, os comunistas se defendiam de acusações da burguesia sobre a abolição da propriedade e a abolição da família. Sobre a família, argumentavam que a base da família burguesa estava no capital, no ganho individual. A família perfeita encontrava-se na burguesia; em contraposição, a família operária foi suprimida, originando a prostituição (p.32).

Confessaram que queriam acabar com a exploração dos pais sobre seus próprios filhos. Advogaram a educação social em lugar da educação doméstica e a libertação das mulheres enquanto instrumento de produção. Atacaram os burgueses de praticarem a sedução das esposas uns dos outros (isso hoje é tido como adultério), a prostituição e de disporem das mulheres e filhas de proletários (p.32-33).

Questionaram: Será que requer grande acuidade de espírito para se compreender que ideias, noções, concepções, numa palavra, a consciência do ser humano sofre modificações em função das mudanças que se operam nas condições concretas de sua existência material, em suas relações sociais, em sua vida social? Não é isso que a história das ideias confirma, que a cultura se modifica na medida em que se modifica a produção material? As ideias dominantes de uma época sempre foram as ideias da classe dominante (p.34).

Traçaram no Manifesto as medidas que poderiam ser postas em prática com a revolução operária elevando o proletariado à classe dominante, em busca da democracia. Com a supremacia, o proletariado arrancaria aos poucos o capital em poder da burguesia e centralizaria os instrumentos de produção nas mãos do Estado. Sendo assim, desapareceriam as divergências de classe, centrariam a produção nas mãos de associados e o poder perderia seu caráter político (p. 35-36).

A Literatura socialista faz parte do terceiro texto do Manifesto. Teceram críticas a três tendências comunistas daquela época. O socialismo reacionário, subdividido em socialismo feudal, socialismo pequeno-burguês e socialismo alemão; o socialismo conservador burguês e o socialismo e comunismo crítico-utópico.

No quarto texto, retrataram a posição dos comunistas diante dos diferentes partidos políticos de oposição, enfatizando o apoio incondicional dos comunistas a qualquer atividade revolucionária que se movimentava contra a atualidade da época, nas lutas social e política, em qualquer parte do mundo.

Finalizaram o Manifesto com um apelo: Proletários de todos os países, uni-vos! 

O Manifesto centra-se, essencialmente, na realidade da Alemanha de 1846-1848. Porém, ajuda-nos a pensar questões sobre globalização, hegemonia, exploração do trabalho infantil, desarranjo familiar, igualdade de oportunidades para homens e mulheres, educação, a origem da propriedade privada e sua função na sociedade atual, a organização dos trabalhadores, o trabalho assalariado, dentre outras. Encaro o Manifesto como um instrumento político, escrito pelos militantes e ativistas, Marx e Engels, que visaram tomar o poder político das mãos da burguesia. Acreditaram nos trabalhadores encabeçando o poder político da época, porque estes viviam em condições subumanas, eram mal pagos e viviam expostos a jornadas intensas de trabalho. Hoje a situação de muitos trabalhadores continuam as mesmas ou até piores. Um dos exemplos é a situação em que vivem muitos catadores de materiais recicláveis, catadores de papéis na maioria das cidades brasileira. Muitos ainda catam materiais nos lixões para alimentarem-se, viveem condições precaríssimas de trabalho e são explorados pelos atravessadores que compram o material catado a preço de miséria. Outro exemplo é a exploração do trabalho infantil ainda por carvoarias ou por muitos pais. Os primeiros exploram para aumentar o seu capital; os segundos, para sobreviverem. A boa nova é que o governo tem realizado uma vigilância e campanhas voltadas para a erradicação do trabalho infantil, visando proteger as crianças. Se fôssemos comparar e analisar detalhadamente a situação daquela época com a de hoje não notaríamos muita diferença, porque a história se reveste na luta de classes, na concentração de riquezas, na má distribuição de renda, na desigualdade social.

Portanto, estou convencida de que o Manifesto Comunista poderá ser extremamente útil àquelas pessoas que necessitarem de inspiração para combater ou contestar os espectros que rondam a realidade ou a sociedade de hoje ou sua própria vida. O Manifesto é um documento histórico que se constituiu em um alerta contra a exploração do trabalho em favor do proletariado e na luta pelos seus direitos. 

Referência:

MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. In: Karl Marx e Friedrich Engels. São Paulo: Global editora, 1981, p. 19-45.

terça-feira, 30 de abril de 2013

A Ideologia Alemã: apontamentos de leitura

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Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues

Escrita na época dos primeiros movimentos autônomos da classe operária europeia, a Ideologia Alemã é uma instigante incursão pela teoria materialista e dialética da história. É a exposição da filosofia marxista.

Os autores criticam os neo-hegelianos pela filosofia fantasiosa sobre o mundo, sobre a falsa realidade resumida ao mundo das ideias.  Criticam Hegel pela redução do mundo material ao mundo das ideias, do pensamento. No idealismo de Hegel, as ideias, os pensamentos e os conceitos produzem, determinam, dominam a vida real dos homens, seu mundo material, suas relações reais.

A crítica sobre a filosofia alemã de Strauss a Stirner limita-se à crítica das representações religiosas. O progresso do mundo estava ligado à religião tida como redentora, dominadora e legítima representante do Estado.

Marx e Engels questionam os filósofos sobre a relação entre a filosofia alemã e a realidade alemã, a relação entre a crítica e o meio material.

Distinguem os homens dos animais pelo fato de produzirem seus meios de vida e não pelo fato de pensar como defendia Hegel. O que o homem é depende das condições materiais de sua produção. Toda relação do homem é uma relação condicionada pela produção. A produção determina a divisão do trabalho, a separação entre cidade e campo.

As fases do desenvolvimento da divisão do trabalho representam diferentes formas de propriedades e determinam as relações dos indivíduos, segundo os autores. Nesse sentido, dividem as propriedades em tribal, comunal ou Estatal e feudal. A primeira corresponde à fase não desenvolvida da produção, à divisão natural do trabalho, onde a natureza é explorada para a subsistência do indivíduo. A segunda fase consiste na reunião de tribos para formar uma cidade, por contrato ou por conquista, gerando a escravidão. Nessa fase, a divisão do trabalho é mais desenvolvida, há separação entre cidade e campo e as relações de classe são visíveis. A última fase é representada pela classe produtora da época, os pequenos camponeses.

Dessa forma, os materialistas traçam o panorama da classe produtora, iniciada com as comunidades tribal e comunal, até os pequenos camponeses servos da gleba. O feudalismo se desenvolve e a nobreza passa a dominar os servos, originando as corporações de ofício. No feudalismo deu-se a divisão do trabalho entre a cidade e o campo.

Indivíduos determinados estabelecem entre si relações sociais e políticas determinadas com conexão entre estrutura social, política e produção. Os homens são condicionados pelo mundo de produção de sua vida material. São pressupostos reais e fazem parte do processo de desenvolvimento, empiricamente visíveis, fazem parte da história. Para “fazer história”, precisam satisfazer suas necessidades básicas, por meio da produção da vida material. O ato histórico pressupõe a atividade de produção, a satisfação de necessidades e a procriação ou produção da vida.

A linguagem e a consciência nascem da necessidade de intercâmbio com outros homens. A consciência é um produto social. A força de produção, o estado social e a consciência podem entrar em contradição com a divisão do trabalho espiritual e material realizados por indivíduos diferentes.

A divisão do trabalho começa na família, com uma distribuição desigual, sendo a mulher e os filhos escravos, propriedades do marido.

Os filósofos, Marx e Engels, distinguem interesse individual do interesse coletivo de onde nasce a contradição. Do interesse coletivo surge o Estado, coletividade ilusória, baseada nos laços existentes na família, na tribo, nas classes. Toda classe que aspira à dominação deve conquistar primeiro o poder político, representado como interesse geral. O poder social, coletivo ilusório, gera alienação entre os homens e seus próprios produtos, intercambiados pela sociedade civil.

A consciência é produzida por indivíduos singulares em contato prático com a produção do mundo inteiro. A concepção da história não é idealista nem fantasiosa, como queria Hegel, é dialética e real, explicada pela práxis material, pela produção da vida real e pela relação dos homens com a natureza. A força motriz da história é a revolução do proletariado a ser efetivada pelas circunstâncias alteradas e não a ilusão religiosa, as reduções teóricas.

Marx e Engels reconhecem que Feuerbach tem sobre os materialistas puros a vantagem de compreender que o homem é também um objeto sensível. Mas, Feuerbach reduz o homem a esse objeto, divorciado do materialismo e da história. Não reconhece o homem como atividade sensível, viva e real.

Uma das principais forças da história, segundo os autores, é a divisão do trabalho.

A obra Ideologia Alemã, obra comum escrita por Marx e Engels,  funda sua concepção no ser social e expõe de forma sistemática os princípios do materialismo histórico e do socialismo científico. Assenta as bases iniciais no socialismo como ciência. Critica a filosofia especulativa, reforçando que os filósofos sempre dominaram e fabricaram a história de acordo com suas imaginações, não levando em conta a vida real, material.

É um livro ousado e instigante que expressa como os homens criam os meios para a produção da vida e necessitam satisfazer suas necessidades primárias e secundárias para se manterem vivos.

Referência:

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). São Paulo: HUCITEC, 1979. p. 17-77.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Sobre os Clássicos: apontamentos de leitura




Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues


Todos os clássicos, com certeza, inovaram a forma de pensar a política e a relação entre os homens. Todos eles, ao seu modo, contestaram e interpretaram as contradições e a realidade da época em que viveram, principalmente pelas questões econômicas de poderio, vantagens, monopólio e favores. O poder era, e ainda o é, econômico, e era manipulado pela igreja, pelo absolutismo real e pela burguesia. Parafraseando Cazuza: "a burguesia fede, a burguesia quer ficar rica, enquanto houver burguesia não vai haver poesia". A burguesia está em todas as épocas, muda somente de nome. Qual é a diferença hoje se a política está literalmente ligada ao poder e permeia relações? Que contradições estamos vivendo nesta nossa época que nos impelem a fazer o que estamos fazendo ou a viver em prol de quê? De uma vida melhor? Pelo bem da coletividade?

De alguma forma somos individualistas e partimos da concepção individualista, conforme os clássicos Rousseau, Locke e Hobbes . Rousseau questionou e eu reelaboro seu questionamento: quando é que deixamos de ser voluntários para nos tornarmos servos da escravidão em qualquer sentido da palavra? La Boétie se pergunta pela razão que levaria o homem à obediência, à servidão voluntária. Se a democracia se dá nas relações, conforme Demerval Saviane, o que leva alguns governos a praticarem a Egocracia e o que leva o povo a não exercitar os seus direitos enquanto cidadãos? O que é ser cidadão? Será consentimento ou receio de se expor? Ou o quê? Interessante é que os clássicos confrontaram as ideias e o fazer da época em que viveram por meio da publicação escrita de suas ideias. De certa forma, essas ideias contribuíram para entender a realidade que vivemos hoje. Marx foi mais além ao interpretar e contestar teoricamente e a participar ativamente da transformação da realidade naquela época: “Operários, uni-vos!”.

Uma resposta encontrada na leitura das Obras Clássicas de Rousseau, Locke e Hobbes (Discurso sobre as desigualdades, Segundo Tratado sobre o Governo e alguns trechos de O Leviatã): o que distingue o homem do animal? Rousseau parcialmente responde que seriam diferentes pela faculdade de aperfeiçoarem-se com o auxílio das circunstâncias. Marx foi mais além: o homem se distingue do animal como ser capaz de aperfeiçoar permanentemente os instrumentos de sua sobrevivência. Esse é o grande diferencial do ser humano. É aí que está a contradição. Segundo Marx, se não for esse o ponto, estaremos nos alienando. A vida não existe sem contradição. Então pergunto: que contradições existem em nossas vidas que nos fazem agir e pensar?

Discorrendo sobre o pensamento dos três clássicos (Rousseau, Locke e Hobbes), penso que o que há de comum entre os filósofos contratualistas é que eles partem da análise do homem em estado de natureza. O homem tem direito de natureza, é jus naturale. Todos têm uma visão individualista do homem, ou seja, o indivíduo preexiste ao Estado. Todos eles visam justificar o poder do Estado sem recorrer à intervenção divina. O pacto visa garantir os interesses dos indivíduos, sua conservação e sua propriedade. Se no estado de natureza o indivíduo é livre com o pacto, com o Estado de soberania a liberdade dos súditos está naquelas coisas que o soberano permite. Sendo assim, o Estado se reduz à garantia do conjunto dos interesses particulares.
 
Segundo o professor C. B. Macpherson, em seu livro A teoria política do individualismo possessivo, o contrato surge como decorrência da atribuição de uma qualidade possessiva ao homem que, por natureza, tem medo da morte, anseia pelo viver confortável e pela segurança e é movido pelo instinto de posse e de desejo de acumulação.