terça-feira, 9 de julho de 2013

A inteligência cega e o paradigma da complexidade: apontamentos de leitura



Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues 

Edgar Morin é sociólogo e presidente da Agência Européia para a Cultura. Escreveu o Livro Introdução ao Pensamento Complexo no qual constam os textos sobre A Inteligência Cega e O paradigma da Complexidade.

O autor, no capítulo sobre A Inteligência Cega, mostra que as ignorâncias, as cegueiras e os perigos têm caráter comum que resulta de um modo mutilador de organização do conhecimento, incapaz de reconhecer e apreender a complexidade do real.

O problema da organização do conhecimento contra-se na utilização da lógica comandada por paradigmas, princípios ocultos que governam a nossa visão das coisas e do mundo sem que disso tenhamos consciência.

Advoga que a patologia ou a doença do saber está na inteligência cega. Esta destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos os objetos daquilo que os envolve, não concebendo o elo inseparável entre o observador e a coisa observada. Assim, as realidades chaves são desintegradas, aproximando-nos de uma mutação no conhecimento.

O que é a complexidade? Pergunta Morin. Responde que é o tecido de acontecimentos, acções, interacções, retroacções, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal (p.20). Conclui que estamos ainda cegos perante o problema da complexidade e que esta cegueira faz parte da barbárie (p.23). O pensamento complexo, na visão de Morin, tem o papel de sensibilizar para as carências do nosso pensamento e fazer compreender que um pensamento mutilador conduz a ações mutiladoras. Clama a todos para tomar consciência da patologia contemporânea do pensamento (p. 22).

No capítulo 3, intitulado O paradigma da complexidade, Morin trata do paradigma da simplicidade, da ordem e desordem do universo, da auto-organização, da autonomia, da complexidade e completude, da razão, racionalidade, racionalização, das necessidades dos macroconceitos, dos três princípios, do todo que está na parte que está no todo e para a complexidade.

Explica o paradigma da simplicidade como um paradigma que põe ordem no universo e expulsa dele a desordem. A ordem estaria reduzida a uma lei, a um princípio. O princípio da simplicidade separa o que está ligado (disjunção) e unifica o que está disperso (redução) (p.86).

A desordem e a ordem sempre é inimiga uma da outra, cooperam de uma certa maneira para organizar o universo (p.89). Para ilustrar, cita o exemplo do big gang. Nesse sentido, o universo começou com uma desintegração, uma desordem, e ao desintegrar-se, se organiza (p.90). A desordem e a ordem crescem uma e outra no seio de uma organização que se complexificou.

A auto-organização, explicitada por Morin, passa pelo sujeito autônomo, dependente, provisório, vacilante, inseguro, que é quase tudo por si e quase nada pelo universo. A autonomia do sujeito é complexa, porque alimenta-se da dependência de condições culturais e sociais. 

Somos seres complexos e a consciência dessa complexidade traz a aspiração à complexidade de seres solidários e multidimensionais. Mas, traz, também, a compreensão de não podermos escapar da incerteza e de que nunca teremos um saber total da realidade que nos cerca.

Na autocrítica complexa da noção de razão, o autor define razão como uma vontade de se ter uma visão coerente dos fenômenos, das coisas e do universo (p.101). A razão como aspecto lógico, a racionalidade seria o diálogo com a lógica da razão. A racionalização encerra a realidade num sistema coerente (p.102).

Finalmente, o autor explica os três princípios que poderiam ajudar a pensar a complexidade: princípio dialógico, permite-nos manter a dualidade no seio da unidade. Associa dois termos ao mesmo tempo complementares e antagônicos (p.107); princípio da recursão organizacional centra-se na idéia de que tudo o que é produzido volta sobre o que produziu num ciclo ele mesmo auto-constitutivo, auto-organizador e autoprodutor (p.108); o princípio hologramático está ligado à idéia recursiva, que por sua vez está em parte ligada à idéia dialógica (p.109). Tudo está interligado: o todo está na parte que está no todo.

A complexidade do real é pensada no paradigma da própria complexidade. São novas visões, concepções, descobertas e reflexões baseadas na  crítica e na autocrítica do conhecimento dito moderno. O autor nos alerta para a necessidade do diálogo permanente com a descoberta (p.105). Chama a atenção para a cegueira em torno de nossos conhecimentos e para a necessidade de uma tomada de consciência radical, de uma (re)organização crítica e autocrítica de nossas teorias e ideologias. A inteligência cega gera a doença do saber, a ignorância. A cegueira leva-nos ao uso degradado da razão científica. Passamos a pensar e a agir como fantoches manipulados, determinados pela realidade que nos cerca. Se a nossa inteligência é cega, estamos privados de visão, abarcados por uma afeição extrema com relação ao desenvolvimento da ciência e às ameaças ligadas a progresso descontrolado do conhecimento que já levou (exemplo: guerras mundiais) e poderá levar a catástrofes ainda mais graves para a Humanidade. Parafraseando Boaventura de Sousa Santos (2002, p.23), precisamos de um conhecimento prudente para uma vida decente.

Os textos de Morin poderão servir para aquelas pessoas que desejarem fazer uma “viagem” teórica sobre o pensamento complexo e para uma reflexão sobre a realidade que “ignoramos”. Ignoramos ou por desconhecimento ou pela complexidade que envolve essa complexidade. Na realidade, essa complexidade foi e é criada pelo próprio homem que deseja a totalidade do universo.

Referência: 

MORIN, E.  Introdução ao Pensamento Complexo.  Lisboa:  Instituto  Piaget, 1990, Caps. 1 e 3.

SOUSA SANTOS, Boaventura. Um discurso sobre as ciências. 98 ed. Porto: Ed. Afrontamento, 2002.


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