terça-feira, 27 de agosto de 2013

O mito da mundialização e a utopia do liberalismo: apontamentos de leitura



Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues

Os textos A mão direita e a mão esquerda do Estado,  O mito da “mundialização” e o Estado social europeu e O neoliberalismo, utopia (em vias de realização) de uma exploração sem limites fazem parte do livro CONTRAFOGOS – Táticas para enfrentar a invasão neoliberal, escrito por Pierre Bourdieu. 

A entrevista A mão esquerda e a mão direita do Estado (BOURDIEU, 1998, p. 9-20) foi concedida por Bordieu a R. P. Droit e a T. Ferenczi e publicada no Le Monde, em 14 de janeiro de 1992.[1]  Na entrevista, o autor aborda questões sobre as contradições do mundo social, a mão esquerda e a mão direita do Estado, latitude dos governantes no campo simbólico, a profissionalização da política, o intelectual e o contra poder crítico.

No texto O mito da “mundialização” e o Estado social europeu (BOURDIEU, 1998, p. 42-61), o autor discute a visão neoliberal, explorando a ideia da doutrinação simbólica e o papel dos intelectuais, pesquisadores diante da imposição do discurso dominante (Ibid., p. 42-3). Exemplifica o trabalho de imposição neoliberal por meio da expressão gota-a-gota simbólico (Ibid., p. 43) que se apresenta sob as aparências da inevitabilidade do neoliberalismo. O Estado é visto pelo autor como uma realidade ambígua, um lugar de conflitos (Ibid., p.48). Analisa a globalização como um mito, uma ideia-força,  uma ideia que tem força social, que realiza a crença (Ibid., p. 48). Trata das revoluções conservadoras dos anos 30 na Alemanha e nos EUA e aponta caminhos para se combater os mitos da mundialização, indicando, portanto, o questionamento radical da visão econômica excludente, o desenvolvimento de uma economia da felicidade, o contra poder dos intelectuais e dos movimentos sociais, a invenção de um novo internacionalismo e a criação de instituições capazes de controlar  as forças do mercado financeiro (Ibid., p. 45-7). Por fim, explora a categoria ideologia neoliberal e ideologia da competência para discutir a ambiguidade dos intelectuais frente ao neoliberalismo. 

No texto O neoliberalismo, utopia (em vias de realização) de uma exploração sem limites (BOURDIEU, 1998, p. 135-149), Bourdieu destaca a prática da utopia neoliberal aliada a uma teoria econômica pensada como científica e real que realiza um trabalho político, visando um programa de destruição metódica dos coletivos (Ibid., p. 137). Discorre sobre o programa neoliberal e os efeitos causados pelo seu funcionamento junto à política econômica. Aponta as forças de conservação e as forças de resistências como condições para conduzir a luta simbólica contra a utopia dos pensadores neoliberais e dando lugar a coletivos orientados para a busca racional de fins coletivamente elaborados e aprovados (Ibid., p. 148).

Diferentemente de Milton Friedman[2]  que sustenta o neoliberalismo como programa liberal vinculado ao capitalismo controlador, Bourdieu se posiciona de modo claro contra o liberalismo e a globalização. As ideias discutidas por Bourdieu enfocam os mecanismos de reprodução e eliminação social incutidos pela doutrinação simbólica da visão neoliberal dominante que geram a violência simbólica. Para combater os efeitos da dominação legitimada pelas forças do neoliberalismo, o autor sugere o exercício da democracia pelas forças de resistência, pelo contrapoder crítico dos intelectuais. 

Os textos de Pierre Bourdieu interpretam a realidade do neoliberalismo de forma clara e objetiva e nos ajudam a pensar questões do Estado neoliberal e o papel da educação, mas especificamente da escola, como instrumento de mudanças ou de conservação que legitima a dominação ou permite a construção de um pensamento e de práticas críticas como movimento de resistência ao Estado doutrinário. Pessoalmente vejo estes estudos como oportunos para se pensar cursos de formação de professores de forma renovada e crítica.

Tenho convicção que a leitura dos textos será de extrema utilidade para os educadores que buscam a melhoria da qualidade do ensino educacional. 

Referência:

BOURDIEU, Pierre. A mão esquerda e a mão direita do Estado; o mito da “mundialização” e o Estado social europeu; o neoliberalismo, utopia (em vias de realização) de uma exploração sem limites. In: _________. Contrafogos – táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 9-20; 42-61; 135-149.


[1] Informações extraídas da nota de rodapé a partir de BOURDIEU, 1998, p. 9.
[2] FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. São Paulo: Nova Cultura, Coleção Os Economicistas, 1982, Caps. I e II.

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