Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues
John Locke nasceu em
29 de agosto de 1632, em Bristol, na Inglaterra, no seio de uma família de
burgueses. Morreu no dia 27 de outubro de 1704, aos 72 anos. Estudou na
Westminster School e transferiu-se em 1652 para o Christ Church College de
Oxford. Em Oxford sofreu influência das ideias de Owen (1616-1683) e de
Descartes (1596-1650). Envolveu-se com pessoas que estiveram ligadas ao rei
Carlos II e precisou se refugiar na Holanda. Retornou à Inglaterra depois da
ascensão de Guilherme de Orange e Maria do Carmo ao trono. O médico, filósofo e
político Locke, então com 54 anos de idade, teve um importante papel na
discussão sobre a teoria do conhecimento, fundamentando filosoficamente as revoluções
ocorridas na Europa e nas Américas. Escreveu e publicou entre 1689 a 1690 a Carta sobre a Tolerância, os Dois Tratados
Sobre o Governo Civil e o Ensaio sobre o Entendimento Humano. Publicou,
também, em 1603, Alguns Pensamentos
Referentes à Educação, e, em 1695, Racionalidade
do Cristianismo.
Do ponto de vista
histórico, na política da Inglaterra no Século XVII, ocorreu o falecimento de
Elizabeth I em 1603, e Jaime Stuart foi coroado. Nesse século prevalecia o
absolutismo real, triunfante na França. Na Inglaterra estourava a Revolução
Gloriosa em 1688 liderada pela burguesia que visava limitar a autoridade dos
reis e estabelecer o domínio dos burgueses. Em 1689, a Câmara dos Comuns
outorgava o poder real a Guilherme de Orange e sua esposa Maria, limitando sua
autoridade ao Parlamento, ao poder legislativo.
No Capítulo I, o
autor parte da premissa de que como Adão não tinha autoridade de qualquer
natureza sobre seus filhos ou sobre o domínio do mundo, também, seria
impossível que os governantes tivessem autoridade sobre o domínio privado e a
jurisdição paterna de Adão. Nesse confronto, distingue o que julga ser o poder
político do governante sobre um súdito. Considera poder político o ato de fazer
leis para regular e preservar a propriedade e fazer cumprir as leis na defesa
da comunidade, pelo bem público.
O Capítulo II, Do
Estado da Natureza, Locke parte da compreensão de que o poder político é
exercido pelos homens em estado natural de perfeita liberdade e igualdade. No
estado de natureza a liberdade dos homens é regulada por uma lei e pela razão
natural de que todos são iguais e livre perante a Lei e ao Criador. Todos os
homens são propriedades do Criador onipotente e só a Ele cabe o direito de
tirar a vida do homem. O homem não possui poder sobre sua própria vida.
Caso alguém transgrida a lei da natureza praticando crime que consiste na
violação da lei e na divergência da regra precisa da razão, todos têm o direito comum de executar a lei,
castigando o ofensor, o agressor e o direito
particular de procurar reparação por parte de quem o prejudicou. Esses dois
direitos distintos – um de castigar o crime e o outro de reivindicar a
reparação do dano – visam o direito de preservar a Humanidade, conforme a
razão. Cada um é juiz em causa própria. No estado de natureza os homens
estabelecem um pacto de confiança para instituir o corpo político.
O ponto fundamental
do pensamento de Locke é que no estado de natureza os direitos naturais dos
homens não desaparecem em conseqüência da concordância ou consentimento na
constituição do corpo técnico. Os direitos naturais consistem em limitar o
poder do magistrado, soberano. O poder é estabelecido pela relação de confiança
mútua. Apenas o pacto torna legítimo o poder do Estado.
Do estado de Guerra,
Capítulo III, Locke trata do estado de inimizade e destruição atentado contra a
vida de outrem. Utiliza o termo declaração de desígnios para interpretar o
estado de guerra contra a vida do próximo, seja escravizando-o, violentando-o
ou injustiçando-o. Diferencia o estado de natureza do estado de guerra. No
primeiro, os homens vivem juntos conforme a razão, sem Deus na Terra para
julgá-los. No segundo estado, quando a força ou o desígnio sem direito sobre a
pessoa se constitui e a lei feita para a preservação dos homens não pode
garanti-la, se estabelece o estado de guerra. O direito de guerra permite a
defesa própria, independente de ter ou não um juiz comum.
No Capítulo IV, Da
Escravidão, Locke aborda que a condição de escravidão se configura em estado de
Guerra. O homem é livre por natureza e não tem poder sobre a sua própria vida e
nem sobre a vida do outro. A liberdade
consiste em não estar sob qualquer restrição que não a lei da natureza.
O Estado de
Propriedade, Capítulo V, o autor conceitua propriedade como tudo o que pertence a cada homem: sua
vida, sua liberdade e seus bens. Parte do princípio de que Deus deu o mundo aos
homens em comum e dotou o homem de razão para desfrutá-lo. Embora, tudo o que
existe pertença à Humanidade em comum e destina-se ao uso dos homens, cada homem tem uma propriedade em sua
própria pessoa. Na concepção de Locke, o homem se torna proprietário de sua
vida, de seu corpo, de seu trabalho. A partir do momento que o homem se
apropria da natureza por meio de seu trabalho, o fruto gerado deixa de ser
comum e passa a ser um direito privado dele, não dependendo do consentimento
expresso dos membros da comunidade. O trabalho, portanto, segundo Locke, dá o
direito à propriedade. Mas o aparecimento do dinheiro, possibilita a aquisição
da propriedade, por meio do trabalho e pela compra. Com o uso da moeda, o
homem concentra riqueza e gera-se a distribuição desigual dos bens.
Locke atribui à
propriedade o caráter universal no estado de natureza, possibilitada ao homem
pelo trabalho. Sendo assim, a acumulação de bens não gera o estado de guerra,
causando desigualdade no estado de natureza? Não estaria Locke em seu
pensamento de igualdade perante a lei, incentivando elitismo e o individualismo
exacerbado? O homem teria ou estaria realmente nesse estado de razão, de
consciência a ponto de praticar a igualdade apregoada por Locke?
No capítulo
seguinte, o filósofo discorre sobre o pátrio poder dos pais sobre os filhos no
estado de natureza. O poder dos pais se torna temporário até que a razão ocupe
a vida dos filhos.
O pensamento de
Locke influenciou o individualismo liberal, a revolução norte-americana, a
Revolução Francesa e inspirou Motesquieu (1689-1755) na separação da teoria dos
três poderes.
O Segundo tratado
Sobre o Governo é realmente um ensaio sobre a origem, extensão e objetivo do
governo civil, baseado no homem pacífico, à luz dos ensinamentos bíblicos e da
crença em Deus. Locke expõe sua tese de que os homens isolados em estado de
natureza se juntaram mediante contrato social para constituir a sociedade
civil, sendo que apenas o pacto torna legítimo o poder do Estado. Locke
considera o legislativo como o poder supremo. Atribui ao homem a liberdade por meio
da lei natural, do livre arbítrio, da consciência sobre si próprio e sobre seus
atos num estado de liberdade vigiada por si mesmo. O homem seria o lobo de si
mesmo, pois nasce livre e racional.
Sem sombra de
dúvida, concordo com Noberto Bobbio quando diz que essa obra serviu de base para a
formulação do Estado Liberal.
Referência:
LOCKE, John. Apresentação e Segundo Tratado Sobre o
Governo: Ensaio relativo à verdadeira origem, extensão e objetivo do Governo
Civil. In: Locke. Tradução de
Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, Coleção Os
Pensadores, 1978, p.1-55.
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