terça-feira, 29 de outubro de 2013

Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens: apontamentos de leitura


Por Ernaldina Sousa Silva Rodrigues

Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra, Suíça, em 1712. Faleceu em 1778, aos 66 anos, em Ermenonville. A partir de 1742, Rousseau chega a Paris em busca de sucesso. Nessa época, fervilhavam as idéias liberais que desembocaram na Revolução Francesa em 1789. Ficou conhecido perante os intelectuais da França em 1749, aos 37 anos, quando discorreu sobre o tema O estabelecimento das ciências e das artes terá contribuído para aprimorar os costumes? Escreveu o intermezzo operístico de Rousseau, O adivinho da Aldeia, os Discursos sobre a Origem da Desigualdade e Sobre a Economia Política, o romance A nova Heloísa, Emílio, Contrato Social, Projeto de Constituição, Dicionário de Música, Considerações sobre o governo da Polônia, os Diálogos e os Devaneios de um Caminhante Solitário.

 Na Obra Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, dividida em duas partes e escrita em 1755, Rousseau fala do Homem. Concebe na espécie humana a desigualdade natural ou física e a desigualdade moral ou política. A primeira estabelece-se pela natureza e consiste no corpo; a segunda, convenciona-se pelo consentimento dos homens e consiste em privilégios. A fonte da desigualdade natural estaria na natureza. Aqueles que mandam valem mais do que os que obedecem? A força do corpo ou do espírito, a sabedoria e a virtude se encontram nos mesmos indivíduos na proporção do poder ou riqueza? Questiona Rousseau. Critica os filósofos por não terem chegado ao estado de natureza após examinarem os fundamentos da sociedade. Conclama o homem de todas as religiões para adentrar na verdadeira história da espécie humana escrita por ele.

Compara o homem a um animal frágil, porém organizado. De forma exaustiva descreve o homem físico e a apropriação desigual deste pela natureza. Os males sofridos pelo homem poderiam ser evitados se vivessem conforme a prescrição da natureza. No estado de natureza o homem é sadio e não precisa meditar, não sente necessidade de remédios, nem de médicos. O animal por viver no estado de natureza se regenera de todos os males e ferimentos naturais. O homem ao tratar o animal nesse estado, degenera-o.

O homem em seu aspecto metafísico ou moral se diferencia do animal pela intensidade, pela liberdade de concordar ou resistir à natureza, pela faculdade de aperfeiçoar-se por meio das circunstâncias. Perceber e sentir, em seu primeiro estado, querer e não querer, desejar e temer são as primeiras circunstâncias que geram novos desenvolvimentos. Ressalta a importância do uso da linguagem nas relações entre os homens e discorre sobre as dificuldades relativas à origem das línguas. Aponta como primeira dificuldade a necessidade de comunicação entre pais, mães e filhos. Outras dificuldades seriam o estabelecimento das línguas no estado de natureza, a necessidade da palavra apara aprender a pensar, o saber pensar para encontrar a arte da palavra e o intérprete dessa convenção para as ideias.

Para o autor a primeira língua do homem foi o grito da natureza, a língua mais universal. Depois, os homens se comunicavam pelas inflexões de voz.

As faculdades do homem devem-se à providência a condição de somente poderem desenvolve-se de acordo com as necessidades.

Critica Thomas Hobbes (1588-1678) por atribuir a ideia de que o homem é naturalmente mau. Para Rousseau o homem nasce bom, mas é corrompido pelo meio em que vive, pela vida em sociedade.

O autor chama a atenção para a questão da servidão e da dominação, devendo cada um refletir sobre os laços da servidão.

Na segunda parte desta Obra Clássica, o autor parte da constatação de que os homens em estado de natureza, vivendo felizes e pacíficos foram surpreendidos com o primeiro verdadeiro fundador da sociedade civil que cercou um terreno e lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas para acreditar, sem contestação. Institui-se, então, a propriedade, à base da exploração de uns sobre os outros e instaura-se a escravidão e a miséria, passadas de geração a geração.

Traça a evolução e o progresso do homem frente ao sentimento de conservação de sua existência. Por meio da inveja, da preferência, da vaidade, do desprezo, da ambição de uns sobre os outros, instaura-se a desigualdade entre os homens, afetando o seu estado de felicidade e a sua inocência. A partir dessa idéia de olhar o outro, de sentir inveja, afronta-se a voluntariedade humana e instaura-se a dominação e a servidão.

Rousseau preconiza que a desigualdade natural insensivelmente se desenvolve junto com a desigualdade de combinação e as diferenças entre os homens acontecem pela força das circunstâncias.

Advoga o estabelecimento do contrato social entre o governo e os soberanos para facilitar a convivência destes na sociedade por meio da vontade geral.

Rousseau conclui o seu Discurso sintetizando a origem e o progresso da desigualdade com base na pureza advinda do homem no estado de natureza à sucessão lenta e gradativa do excesso de corrupção entre os homens.

O autor descreve minuciosamente o histórico da evolução do homem e a sucessão de coisas que geraram a dependência entre as desigualdades de poder e de posse. O homem vive feliz e sadio no estado de natureza. Com a introdução da propriedade e a instituição da mão-de-obra por meio do trabalho, origina-se a desigualdade. A desigualdade nasce então da ambição dos homens sobre os outros. Para restabelecer a igualdade é firmado o pacto e o homem se abdica de sua liberdade individual pela vontade geral, para viver em Estado Democrático. A passagem do estado de natureza para o estado civil, o contrato social firmado pelo pacto, a liberdade civil, o exercício da soberania por meio da democracia direta e da vontade geral, a distinção entre os conceitos de soberania e governo e a soberania inalienável e indivisível do povo, a apropriação desigual são temas tratados na Obra de forma exaustiva.

Se para Rousseau o homem se diferencia do animal pela sua faculdade de aperfeiçoar-se por meio das circunstâncias; para Karl Marx (1818-1883), essa diferença está na capacidade do homem aperfeiçoar permanentemente seus instrumentos de sobrevivência.

Rousseau incorporou o momento em que viveu e, a partir de seu romantismo, do seu sentimento e de sua apologia pela natureza, expôs suas ideias, às vezes de forma amarga e pessimista, mas inovadoras com relação à política e a relação entre os homens.

Referências:
 
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. In: Rousseau. São Paulo: Nova Cultura, Coleção os Pensadores, 1991, p. 234-282.

WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os Clássicos da política. V. 1. São Paulo: Editora Ática, 1989

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