quarta-feira, 10 de junho de 2015

Direito Administrativo: conceito, fontes, princípios, poderes, estrutura, atos, processo



Por Irene Patrícia Nohara
Conceito

Direito Administrativo é o ramo do direito público que trata de princípios e regras que disciplinam a função administrativa e que abrange entes, órgãos, agentes e atividades desempenhadas pela Administração Pública na consecução do interesse público 1.

Função administrativa é a atividade do Estado de dar cumprimento aos comandos normativos para realização dos fins públicos, sob regime jurídico administrativo (em regra), e por atos passíveis de controle.

A função administrativa é exercida tipicamente pelo Poder Executivo, mas pode ser desempenhada também pelos demais Poderes, em caráter atípico. Por conseguinte, também o Judiciário e o Legislativo, não obstante suas funções jurisdicional e legislativa (e fiscalizatória) típicas, praticam atos administrativos, realizam suas nomeações de servidores, fazem suas licitações e celebram contratos administrativos, ou seja, tomam medidas concretas de gestão de seus quadros e atividades.
Função administrativa relaciona-se com a aplicação do Direito, sendo consagrada a frase de Seabra Fagundes no sentido de que “administrar é aplicar a lei de ofício”. A expressão administração pública possui, segundo Di Pietro 2, no entanto, dois sentidos:
  • o sentido subjetivo, formal ou orgânico: em que é grafada com letras maiúsculas, isto é, Administração Pública, e que indica o conjunto de órgãos e pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado; e
  • o sentido objetivo, em que o termo é grafado com minúsculas (administração pública), sendo usado no contexto de atividade desempenhada sob regime de direito público para consecução dos interesses coletivos (sinônimo de função administrativa).
Fontes

São fontes do Direito Administrativo:
  • os preceitos normativos do ordenamento jurídico, sejam eles decorrentes de regras ou princípios, contidos na Constituição, nas leis e em atos normativos editados pelo Poder Executivo para a fiel execução da lei;
  • a jurisprudência, isto é, reunião de diversos julgados num mesmo sentido. Se houver Súmula Vinculante, a jurisprudência será fonte primária e vinculante da Administração Pública;
  • a doutrina: produção científica da área expressa em artigos, pareceres e livros, que são utilizados como fontes para elaboração de enunciados normativos, atos administrativos ou sentenças judiciais;
  • os costumes ou a praxe administrativa da repartição pública.
Ressalte-se que só os princípios e regras constantes dos preceitos normativos do Direito são considerados fontes primárias. Os demais expedientes: doutrina, costumes e jurisprudência são geralmente fontes meramente secundárias, isto é, não vinculantes; exceto no caso da súmula vinculante, conforme sistemática criada pela Emenda Constitucional nᵒ 45/04, que é fonte de observância obrigatória tanto ao Poder Judiciário, como à Administração Pública direta e indireta, em todos os níveis federativos.

Princípios
Segundo Alexy 3, princípios são mandamentos de otimização, que se caracterizam pelo fato de poderem ser cumpridos em diferentes graus. A medida imposta para o cumprimento do princípio depende: (a) das possibilidades reais (fáticas), extraídas das circunstâncias concretas; e (b) das possibilidades jurídicas existentes.

Com o pós-positivismo os princípios foram alçados dos Códigos às Constituições, ganhando status de normas jurídicas de superior hierarquia. Antes eram tidos como pautas supletivas das lacunas do ordenamento, conforme orientação do art. 4ᵒ da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, mas com o avanço da hermenêutica jurídica sabe-se que eles não são só sugestões interpretativas, pois eles têm caráter vinculante, cogente ou obrigatório 4.

São princípios do Direito Administrativo expressos no caput do art. 37 da Constituição:
  • legalidade;
  • impessoalidade;
  • moralidade;
  • publicidade; e
  • eficiência, sendo que este último foi acrescentado pela Emenda Constitucional nᵒ 19/98.
A legalidade administrativa significa que a Administração Pública só pode o que a lei permite. Cumpre à Administração, no exercício de suas atividades, atuar de acordo com a lei e com as finalidades previstas, expressas ou implicitamente, no Direito.

Impessoalidade implica que os administrados que preenchem os requisitos previstos no ordenamento possuem o direito público subjetivo de exigir igual tratamento perante o Estado. Do ponto de vista da Administração, a atuação do agente público deve ser feita de forma a evitar promoção pessoal, sendo que os seus atos são imputados ao órgão, pela teoria do órgão.

Publicidade é o princípio básico da Administração que propicia a credibilidade pela transparência. Costuma-se diferenciar publicidade geral, para atos de efeitos externos, que demandam, como regra, publicação oficial; de publicidade restrita, para defesa de direitos e esclarecimentos de informações nos órgãos públicos.

Moralidade é o princípio que exige dos agentes públicos comportamentos compatíveis com o interesse público que cumpre atingir, que são voltados para os ideais e valores coletivos segundo a ética institucional.

Eficiência foi um princípio introduzido pela Reforma Administrativa 5 veiculada pela Emenda Constitucional nᵒ 19/98, que exige resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades públicas.

Além dos princípios constitucionais, existem princípios que foram positivados por lei, como, por exemplo, no âmbito federal, também se extraem do art. 2ᵒ da Lei nᵒ 9.784/99: finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e interesse público.

Poderes

Para realizar suas atividades, a Administração Pública detém prerrogativas ou poderes. Conforme clássica exposição de Celso Antônio Bandeira de Mello 6, tais poderes são poderes-deveres, ou seja, poderes subordinados ou instrumentais aos deveres estatais de satisfação dos interesses públicos ou da coletividade.
São poderes administrativos:
  • o discricionário;
  • os decorrentes da hierarquia;
  • o disciplinar;
  • o normativo; e
  • o de polícia.
Poder discricionário é a prerrogativa que tem a Administração de optar, dentre duas ou mais soluções, por aquela que, segundo critérios de conveniência e oportunidade, melhor atenda ao interesse público no caso concreto. Entende-se, no geral, que vinculação 7 não é propriamente um poder, mas uma sujeição da Administração ao império da lei.

Da hierarquia, decorrem os seguintes poderes: ordenar atividades, controlar ou fiscalizar as atividades dos subordinados, rever as decisões, com a possibilidade de anular atos ilegais ou de revogar os inconvenientes e inoportunos, com base na Súmula 473/STF, punir ou aplicar sanções disciplinares, avocar ou chamar para si atribuições, delegar e editar atos normativos internos.

Poder disciplinar é o que compete à Administração para apurar supostas infrações funcionais e, se for o caso, aplicar as sanções administrativas. Ele abrange tanto as relações funcionais com os servidores públicos, como às demais pessoas sujeitas à disciplina da Administração Pública 8.

Poder normativo envolve a edição pela Administração Pública de atos com efeitos gerais e abstratos, como decretos regulamentares, instruções normativas, regimentos, resoluções e deliberações. Poder regulamentar é, portanto, uma espécie de poder normativo.

Poder de polícia consiste “na atividade de condicionar e restringir o exercício dos direitos individuais, tais como propriedade e a liberdade, em benefício do interesse público” 9. São atributos do poder de polícia: discricionariedade, autoexecutoriedade e coercibilidade.

Estrutura da Administração Pública

Na organização administrativa do Estado, há a divisão estrutural entre entes da Administração Direta e entes da Administração Indireta. Os entes da Administração Direta compreendem as pessoas jurídicas políticas: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e órgãos que integram tais pessoas pelo fenômeno da desconcentração.

Desconcentração indica, na definição de Hely Lopes Meirelles 10, a repartição de funções entre vários órgãos (despersonalizados) de uma mesma administração, sem quebra de hierarquia.
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, os critérios de desconcentração são:
  • em razão da matéria: em que há a criação de órgãos para tratar de assuntos determinados, como, no âmbito federal, os Ministérios da Justiça, da Saúde, da Educação etc.
  • em razão do grau: nos distintos escalões de patamares de autoridade, como, por exemplo, diretoria, chefias etc.
  • pelo critério territorial: que toma por base a divisão de atividades pela localização da repartição, como nas administrações regionais das Prefeituras.
Já os entes da Administração Indireta são constituídos por descentralização por serviços, em que o Poder Público cria ou autoriza a criação por meio de lei de pessoa jurídica de direito público ou privado e a ele atribui a titularidade e a execução de determinado serviço público, conforme sistemática do art. 37, XIX, da Constituição.

Integram a Administração Indireta: as autarquias, as fundações, as sociedades de economia mista, as empresas públicas e mais recentemente as associações públicas constituídas pelos consórcios públicos, conforme tratamento dado pela Lei nᵒ 11.107/2005.

Ato administrativo

Considera-se ato administrativo, segundo Di Pietro, a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância de lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle do Poder Judiciário 11.
Tendo em vista o regime jurídico administrativo, os atos administrativos possuem os seguintes atributos:
  • presunção de legitimidade e veracidade;
  • imperatividade, pois se impõem aos seus destinatários, independentemente de sua concordância;
  • autoexecutoriedade, podendo a Administração como regra executar suas decisões, sem a necessidade de submetê-las previamente ao Poder Judiciário.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro ainda fala em um quarto atributo do ato administrativo, qual seja: a tipicidade, que demanda que eles correspondam a figuras estabelecidas em lei, o que afasta da seara do Direito Administrativo a presença de atos inominados.

São espécies de atos administrativos, segundo conhecida classificação de Hely Lopes Meirelles 12:
  • negociais, que visam à concretização de negócios jurídicos públicos ou de atribuição de certos direitos e vantagens aos particulares, como as licenças e autorizações;
  • normativos, os quais consubstanciam determinações de caráter geral para a atuação administrativa, como ocorre nos regimentos e deliberações;
  • enunciativos, que atestam uma situação existente, por exemplo, nos atestados, certidões, pareceres e votos;
  • ordinatórios, que ordenam a atividade administrativa interna. Por exemplo: em instruções, circulares e ordens de serviço;
  • punitivos, que contém sanção imposta pela Administração, como: imposição de multa administrativa, interdição de atividade e punição de servidores públicos.
A doutrina geralmente extrai, com variações, os seguintes elementos dos atos administrativos: sujeito (associado à competência, conforme classificação extraída da Lei de Ação Popular); objeto, forma, motivo e finalidade.

Além da existência dos elementos, o ato administrativo para ser válido deve obedecer a requisitos de validade, ou seja: (1) o sujeito deve ser capaz e competente; (2) o objeto deve ser lícito, possível, determinado ou determinável e de acordo com a moralidade; (3) se houver exigência específica de determinada forma, sua observância é obrigatória; (4) o motivo deve ser existente e adequado 13; e (5) a finalidade deve ser prevista em lei e de acordo com o interesse público.

Atos administrativos que possuam vícios insanáveis deve ser anulados, ao passo que os vícios sanáveis admitem, a critério da Administração Pública, a convalidação. Se não for mais conveniente e oportuna a manutenção do ato que não contempla direito ao particular, é possível a sua revogação.

Trata-se do conteúdo da Súmula nᵒ 473 do STF, segundo a qual:
a administração pública pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

Processo administrativo

A diferença entre processo e procedimento é polêmica na doutrina. O termo processo advém do latim procedere, que significa curso ou marcha para frente. Trata-se de um conjunto sequencial de ações que objetivam alcançar determinado fim.

Entende-se que enquanto o processo é o conjunto de atos coordenados para a obtenção de um provimento individualizado, procedimento é o modo de realização do processo, ou seja, o rito processual 14, sendo os conceitos de processo e procedimento inter-relacionados.

No âmbito administrativo, a Administração atua quase sempre por meio de processos, que são encadeamentos de atos, sendo exigência constitucional que sejam recheados de oportunidade de defesa e de contraditório antes da edição da decisão final, isto é, do ato administrativo final do procedimento.

Como disciplina genérica do processo administrativo na esfera federal há a Lei nᵒ 9784/99, que estabelece “normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta”. A Lei de Processo Administrativo 15 aplica-se subsidiariamente às regras contidas em leis que preveem procedimentos específicos, a exemplo da lei de licitações, ao estatuto dos servidores, ao código de propriedade industrial, à lei de defesa da concorrência, ao tombamento e à desapropriação.

Referências bibliográficas e notas:
  1. NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 6.
  2. [1]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 49.
  3. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 83.
  4. NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 54.
  5. Para uma visão crítica e contextualizada da Reforma, ver. NOHARA, Irene Patrícia. Reforma Administrativa e burocracia: impacto da eficiência na configuração do Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Atlas, 2012. Passim.
  6. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 71.
  7. Diferentemente do propugnado por Meirelles, que fala em poder vinculado. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 120.
  8. Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 94.
  9. NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 137.
  10. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 752.
  11. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 196.
  12. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 181.
  13. NOHARA, Irene Patrícia. O motivo no ato administrativo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 49.
  14. Neste sentido. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 623, e MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 691.
  15. NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo Administrativo: Lei nᵒ 9.784/99 Comentada. São Paulo: Atlas, 2009. p. 20.

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