terça-feira, 28 de março de 2017

O “fim” da desaposentação e seus possíveis reflexos ao servidor público

Postado em Artigos Por Rudi Cassel Em 3 novembro, 2016

Para o STF, desaposentação não pode ser concedida sem previsão legal

Em tempos em que se discute amplamente o futuro da Previdência Social no Brasil, mormente a crise financeira pela qual atravessa o país, ganhou evidência a discussão acerca da constitucionalidade da desaposentação, instituto rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal em sessão realizada no dia 26 de outubro de 2016.

A desaposentação nada mais é senão a opção que exerce o segurado de, após se aposentar, continuar laborando e contribuindo para o INSS, ou ainda, voltar a trabalhar vertendo contribuições ao sistema, de modo que possa, futuramente, renunciar à primeira aposentação para se aposentar com benefícios mais vantajosos, consideradas as contribuições recolhidas no período em que trabalhou após a entrada para a inatividade.

Tal instituto, que, de fato, não possui previsão legal expressa, seja para os segurados do Regime Geral de Previdência Social (Lei 8.213/1991) seja para os integrantes do Regime Próprio de Previdência Social do servidor público federal (Lei 8.112/1990), vinha sendo reconhecido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1334488/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 08/05/2013, DJe 14/05/2013).

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar os Recursos Extraordinários 381.367, 661.256 – com repercussão geral –, e 827.833, fixou o entendimento de que apenas através de lei é possível fixar critérios para que os benefícios previdenciários sejam recalculados com base nas novas contribuições efetuadas por aquele segurado que permanece laborando ou retorna à atividade após concessão de aposentadoria.

A despeito da tese fixada pela maioria da Corte, parece mais acertada a posição do ministro Luís Roberto Barroso, relator do RE 661.256, que afirmou em seu voto que “o caráter contributivo resulta do pagamento de contribuições pelos empregados, em troca de coberturas a serem fornecidas pelo sistema, que incluem a percepção de proventos com base no tempo e no valor das contribuições”. Ou seja, se a percepção dos proventos deve guardar relação com o tempo de serviço e as contribuições vertidas ao sistema, não merece subsistir a tese de ferimento ao princípio da solidariedade ou ao equilíbrio financeiro e atuarial.

Esse caráter contributivo, que deve ser preservado também na desaposentação, não fere o princípio da solidariedade, que preceitua que o financiamento da seguridade social é realizado não só pelos empregados, mas também pelos empregadores e por outras fontes de custeio. Porém, em síntese, entendeu o STF que, por não haver previsão em lei, incluindo a fonte de onde sairiam os recursos para garantir os benefícios da desaposentação, não é possível o recálculo dos proventos com base nas contribuições recolhidas após o retorno à atividade.

Nesse contexto, surgem dúvidas no sentido de os efeitos da decisão do STF alcançar os servidores públicos, que contribuem para o Regime Próprio, cujas regras, nos casos dos servidores públicos federais, se encontram na Lei 8.112/1990, e devem se coadunar com as disposições constitucionais.

Em que pese versarem os processos julgados pelo Supremo sobre segurados do Regime Geral, é cediço que, por também em tese não existir expressa disposição legal prevendo a desaposentação no serviço público, o deferimento desse direito aos servidores estatutários encontrará óbices nos tribunais pátrios, que devem observar a decisão do STF que negou a desaposentação.

No caso dos servidores públicos, o direito à desaposentação, embora não expresso estritamente, decorre do que consagra o artigo 40, § 9º, da Constituição, o qual estabelece que o tempo de contribuição federal, estadual ou municipal será contado para efeito de aposentadoria.

Ratificando a previsão constitucional, o art. 103, § 1º, da Lei 8.112/90 reza que “tempo em que o servidor esteve aposentado será contado apenas para nova aposentadoria”. Não se trata, portanto, no âmbito do serviço público, da proibida contagem cumulativa de tempo de serviço prestado concomitantemente em mais de um cargo público, mas da opção pela renúncia a um benefício em nome de uma situação mais vantajosa, desde que, por óbvio, sejam vertidas as respectivas contribuições.

Assim, na linha da doutrina de Fábio Zambitte Ibrahim, impõe-se a conclusão de que a desaposentação, tanto no Regime Geral como no Regime Próprio, respeita o caráter contributivo inserto nos artigos 40 (RPPS) e 201 (RGPS) da Lei Fundamental. Isso porque permite ao segurado a obtenção de melhor benefício com base nas novas contribuições, não havendo que se falar em prejuízo ao equilíbrio financeiro e atuarial. Ora, é justamente o aspecto financeiro que leva o segurado inativo a renunciar à primeira aposentadoria para melhorar seus proventos, que não são suficientes para o sustento, principalmente nesse atual cenário de crise econômica.

Em um contexto de sérias ameaças aos direitos previdenciários, consubstanciadas na intenção do governo federal de promover verdadeira reforma no sistema, o STF, que deveria honrar sua imagem de “Guardião da Constituição”, assim como o Executivo, agrava a situação daqueles que merecem tutela especial em um dos momentos que mais necessitam do amparo do Estado, a entrada para a inatividade.

Por Rudi Cassel, advogado especializado em Direito do Servidor, e sócio do escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados
Reprodução
Correio Braziliense – blog do Servidor

Fonte: http://www.blogservidorlegal.com.br/o-fim-da-desaposentacao-e-seus-possiveis-reflexos-ao-servidor-publico/

terça-feira, 21 de março de 2017

A coisa julgada administrativa e o pedido de revisão

Postado em Artigos Por Pedro Henrique Fernandes Rodrigues Em 29 agosto, 2014

A existência do instituto da coisa julgada também em via administrativa gerou por muito tempo grandes discussões, no entanto, a partir de uma análise dos ditames trazidos pela doutrina e jurisprudência pátria, bem como da Constituição Federal de 1988, entende-se que a coisa julgada, em seu aspecto técnico, não existe na esfera do direito administrativo, mas tão somente em via judicial.

De acordo com o jurista Hely Lopes Meirelles, a coisa julgada administrativa seria apenas uma preclusão de efeitos internos, não possuindo assim o mesmo alcance da coisa julgada judicial, uma vez que o ato jurisdicional da Administração não deixa de ser um simples ato administrativo decisório, sem a força conclusiva do ato jurisdicional do Poder Judiciário.[1]

Para o doutrinador José dos Santos Carvalho Filho, a existência da coisa julgada administrativa apenas significa que certa questão foi resolvida por definitivo administrativamente, porém, tal caso pode ser levado à análise do judiciário.[2]

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, a chamada coisa julgada administrativa implica em efeitos definitivos somente para a própria Administração, a qual fica impedida de retratar-se administrativamente ou questionar seus próprios atos administrativos em via judicial.[3]

Coisa julgada administrativa significa a imutabilidade das decisões proferidas neste âmbito para a Administração Pública, implicando assim na impossibilidade de se interpor qualquer novo recurso administrativo, ressalvadas apenas as possibilidades de anulação de seus atos pelo próprio ente público, quando eivados de vícios, conforme a Súmula 473/STF.

Entretanto, esta imutabilidade não implica na impossibilidade das demandas oriundas da via administrativa serem levadas à análise e ao exame do Poder Judiciário, motivo pelo qual não se considera a existência do instituto da coisa julgada em via administrativa, uma vez que ausente a definitividade da decisão proferida, ao contrário do que se observa nas decisões judiciais transitadas em julgado, pautadas pela imperatividade e efetiva imutabilidade.

Quando no exercício de sua função administrativa, a Administração Pública é parte em uma relação, exercendo assim parcialidade quanto aos interesses discutidos, não podendo ao mesmo tempo ser interessada e juiz da causa.

Por este motivo, as decisões administrativas são passíveis de apreciação pelo judiciário, caso causarem lesão ou ameaça a direito subjetivo individual ou coletivo, independentemente de prévia existência de processo administrativo, uma vez que, quando do exercício da função jurisdicional, o Estado é pautado pela imparcialidade.

A chamada coisa julgada administrativa não impede a análise da demanda pelo Poder Judiciário, pois o mecanismo de controle adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, qual seja o sistema de jurisdição una, prevê a possibilidade de se levar qualquer lide ao exame jurisdicional, até mesmo os casos definitivamente julgados administrativamente, não vinculando o magistrado a qualquer decisão administrativa, ainda que proferida em última instância.

Ademais, a inexistência de coisa julgada em via administrativa corrobora-se pela possibilidade do chamado pedido de revisão administrativa, o qual não é propriamente um recurso, mas um requerimento, a partir de fatos novos ou circunstâncias de relevância, que visa desconstituir o ato administrativo deliberado, proferido em processo administrativo sancionador já findo, diante de suposta ocorrência de ilegalidade na decisão administrativa, inaugurando-se assim um novo processo administrativo com a possibilidade de reformatio in pejus.

Vale lembrar que somente o administrado ou a coletividade interessada podem pleitear a análise dos atos administrativos pelo poder judiciário, uma vez que a Administração Pública detém poder de autotutela, o qual lhe dispõe a possibilidade de rever, de ofício, seus atos eivados de ilegalidade ou ainda casos em que entenda pelo não atendimento do interesse público.

O mencionado poder de autotutela da administração é corroborado pela já mencionada Súmula 473 do STF, a qual dispõe:

Administração Pública – Anulação ou Revogação dos Seus Próprios Atos

A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

Verifica-se pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal que a própria Administração Pública, de ofício, pode anular ou revogar seus atos, mas desde já resguardando a possibilidade dos interessados levar o exame da causa para a via judicial.

Dessa forma, enquanto as decisões proferidas e transitadas em julgado nos processos judiciais significam a ultima ratio processual na resolução dessas lides, com a devida imutabilidade e imperatividade que não permitem nova discussão da demanda – salvo os casos de Ações Rescisória – as decisões administrativas, ainda que proferidas em última instância, não impedem nova análise jurisdicional da matéria, sendo assegurado aos interessados o direito de petição, a fim de recorrer ao Poder Judiciário, mesmo esgotado o regular processo administrativo.

Por Pedro Rodrigues

[1] MEIRELLES, Hely Lopes. “Direito administrativo brasileiro”. São Paulo: Editora Malheiros, p. 625

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo – 14ª Edição. 2005, Ed. Lumen Juris.

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. “Curso de Direito Administrativo”. São Paulo: Editora Malheiros, 17ª edição, p. 421

Fonte: http://www.blogservidorlegal.com.br/coisa-julgada-administrativa-e-o-pedido-de-revisao/

terça-feira, 14 de março de 2017

Desvio de função, assédio e dano moral no serviço público

Postado em Artigos Por Rudi Cassel Em 14 março, 2014

A prática do desvio de função ocorre quando um trabalhador é designado para função estranha àquela para qual foi nomeado ou contratado. Se envolve servidor, circunstância objeto deste artigo, o caso é ainda mais grave porque viola o concurso público exigido pela Constituição da República.

Sobre suas consequências, é comum a abordagem dessa troca indevida de atribuições como causa de indenização quando o trabalho realizado é melhor remunerado que a função original do servidor, nos termos da súmula 378 do Superior Tribunal de Justiça.

De fato, se há exercício das atividades destinatárias de retribuição superior, não pode o Estado economizar a nomeação de um profissional submetido ao devido certame, retirando outro de suas tarefas menos complexas, sem indenizar o último pela diferença de rendimentos (dano material).

Porém, não é apenas na esfera patrimonial que o desvio pode gerar dano. Em vários casos, passa despercebido o objetivo de produzir sofrimento, angústia, isolamento na pessoa desviada, a partir da submissão a tarefas diversas mais simples que as suas.

Quando alguém se utiliza de algum poder oficial ou circunstancial para deslocar o trabalhador para atribuições menos complexas, humilhando-o no dia-a-dia com essa diferenciação, dá-se o assédio moral.

Aqui, o dano é de outra ordem (moral), pois afeta a esfera psicológica do indivíduo, tornando insuportável o trabalho e o convívio com o colega que o persegue.

A boa notícia é que existe solução jurídica para isso. O artigo 37 da Constituição não admite o desempenho de função pública sem o concurso específico, seja para atribuições mais ou menos complexas. O artigo 13 da Lei 8.112/90, estatuto dos servidores da União replicado em vários Estados e Municípios, não admite a alteração unilateral das atribuições fixadas com a posse no cargo efetivo.

É possível ir além, pois o artigo 116, IV, da Lei 8112/90, dispensa o servidor do cumprimento de ordens manifestamente ilegais, ao passo em que o seu inciso VI considera dever levar as irregularidades de que tiver ciência à autoridade superior ou, se esta estiver envolvida, a outra autoridade competente para verificação, enquanto o inciso XII institui o dever de representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.

A invocação dessas regras, combinadas com a prova do desvio pela descrição das tarefas indevidas a que foi submetido o servidor, evidenciam a imoralidade do assédio.

É evidente que essas possibilidades não afastam o temor de punição mais severa pela insurgência com eventuais ordens superiores que promovem a alteração das funções diárias, por isso a promoção institucional de uma cultura de cordialidade e temperança deve substituir a de grosseria e desrespeito.

De qualquer forma, é importante o servidor saber que o órgão público a que está vinculado tem o dever de apurar condutas ilícitas, assim como o Tribunal de Contas da unidade federativa em que estiver, sem prejuízo do controle pelos conselhos de fiscalização (caso dos servidores do Poder Judiciário e Ministério Público) e pela via judicial.

O assédio moral, o consequente dano e o desvio de função forma uma tríade de manifestações que devem ser monitoradas e combatidas no serviço público, pois um ambiente de trabalho saudável reflete no atendimento prestado ao cidadão, bem como no serviço público desejado por todos.

Cassel & Ruzzarin Advogados elaborou um estudo que aborda o desvio de função no serviço publico em linguagem simples, na forma de perguntas e respostas, para permitir sua identificação pelos servidores e geral. A cartilha em formato PDF pode ser baixada gratuitamente aqui.

Por Rudi Cassel

Fonte: http://www.blogservidorlegal.com.br/desvio-de-funcao-assedio-e-dano-moral-servico-publico/

terça-feira, 7 de março de 2017

Denúncia anônima pode ensejar abertura de processo administrativo?

Postado em Artigos Por Aracéli A. Rodrigues Em 19 agosto, 2016

O Processo Administrativo é destinado a apurar a responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas funções ou relacionada com as atribuições do seu cargo. Dessa forma, para que seja possível a abertura do procedimento, é necessário que a Administração possua conhecimento de irregularidade envolvendo o servidor.

Existem diversas formas pelas quais a Administração pode tomar ciência dessas situações, podendo ser por meio de denúncia, representação funcional, notícias veiculadas na mídia, representações oficiais por outros órgãos públicos, entre outros.

A denúncia, um dos principais meios de comunicação, deve observar alguns requisitos para que seja aceita. Conforme disciplinado no artigo 144, da Lei n° 8.112/90, é necessário que a denúncia sobre irregularidades contenha a identificação e o endereço do denunciante, devendo ser formulada por escrito e ter sua autenticidade confirmada. Caso os fatos relatados na denúncia não configurem evidente irregularidade, o parágrafo único do referido artigo prevê a possibilidade do seu arquivamento sumário.

Entretanto, diante dos requisitos estabelecidos pela legislação para que a denúncia seja aceita pela Administração, confrontados com o poder-dever da administração de apurar irregularidades, há controvérsia em torno da possibilidade de a denúncia anônima ser apta a ensejar a abertura de processo administrativo.

O artigo 144, da Lei n° 8.112/90, está em consonância com o inciso IV do artigo 5° da Constituição Federal, o qual veda o anonimato, vedação que, segundo o Min. Celso de Mello, tem a finalidade de “permitir que o autor do escrito ou da publicação possa expor-se às consequências jurídicas derivadas de seu comportamento abusivo” (Inquérito 1975/PR).

Por outro lado, constitui poder-dever da autoridade administrativa o de apurar eventuais irregularidades que cheguem ao seu conhecimento, e que noticiem suposta irregularidade envolvendo agente público, conforme dispõe o artigo 143, da Lei n° 8.112/90.

O Supremo Tribunal Federal tem adotado o entendimento de que é possível a abertura de processo administrativo decorrente de denúncia anônima, entretanto com a realização de uma apuração prévia dessa. Insta destacar parte do voto da Ministra Relatora Cármen Lúcia no RMS 29.198/DF, julgado em 30/10/2012(DJe-233, divulgado em 27/11/2012, publicado em 28/11/2012): “Não pode a Administração, como é óbvio, instaurar o processo administrativo disciplinar contra servidor com base única e exclusiva nas imputações feitas em denúncias anônimas, sendo exigível, no entanto, conforme enfatizado, a realização de um procedimento preliminar que apure os fatos narrados e a eventual procedência da denúncia”.

Nesse sentido, também no Superior Tribunal de Justiça há entendimento favorável a abertura de processo administrativo baseado em denúncia anônima, desde que com apuração prévia dessa, conforme os precedentes: MS 10419/DF, Min. Rel. Alderita Ramos de Oliveira, Terceira Seção, julgamento 12/06/2013, DJe 19/06/2013; MS 7415/DF, Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, julgamento 11/09/2013, DJe 25/09/2013; REsp 867666/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, Julgamento 27/04/2009, DJe 25/05/2009.

Somando-se a isso, no caso de dúvida sobre a veracidade das informações sobre as quais teve ciência, deverá a Administração optar pela apuração. Esse é o entendimento de Couto (2014, p. 130), o qual leciona que “[…] se a autoridade tiver dúvida entre arquivar e promover a apuração, deve optar por promover a apuração, pois, nessa fase, a dúvida resolve-se em favor da sociedade e não em favor do acusado”.

Ainda, conforme assinala o Manual da CGU (BRASIL – CGU, 2016, p. 42) “[…] não é condição indispensável para iniciar a averiguação a devida qualificação do denunciante, porquanto o que realmente importa é o conteúdo da denúncia (relevância e plausibilidade), que deve conter elementos capazes de justificar o início das investigações por parte da Administração Pública”.

Assim, segundo as correntes doutrinárias e jurisprudenciais atuais, os requisitos insculpidos no artigo 144, da Lei 8.112/90, não precisam ser taxativamente observados, por força do artigo 143, que prevê a imediata apuração dos fatos quando presentes indícios relevantes.

É que, ao aparente conflito existente entre a vedação ao anonimato e o poder-dever do Estado de apurar irregularidades, tem sido conferida pelas cortes superiores interpretação no sentido de que é possível à autoridade administrativa, apurar a denúncia anônima, através de um procedimento investigatório preliminar (inclusive na forma de sindicância), e, posteriormente, instaurar o processo administrativo disciplinar.

Contudo, como bem ponderado pela Min. Cármen Lúcia, relatora do RMS 29.198, deve a autoridade administrativa, agir com cautela no exame da admissibilidade da denúncia, evitando que sejam objeto de apuração aquelas com intuito meramente difamatório, injurioso e vexatório, desacompanhadas de elementos mínimos que evidenciem conduta inapropriada ou ilegal, e buscar outros elementos que corroborem a denúncia, confirmando a autoria e a materialidade das infrações, para, só então, instaurar o processo administrativo disciplinar.

Por Aracéli Rodrigues e Daniela Mattos, escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COUTO, Reinaldo. Curso Prático de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2014.

BRASIL – CGU. Manual de Processo Administrativo Disciplinar. Brasília, 2016. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/atividade-disciplinar/arquivos/manual-pad.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2016.

Fonte: http://www.blogservidorlegal.com.br/denuncia-anonima-pode-ensejar-abertura-de-processo-administrativo/